24 fevereiro 2018

os Brasis: o colapso como sistema

24/02/2018




I

aquilo que nos acostumamos a chamar de mundo está em colapso.

II

tanto a sociedade como os indivíduos nada mais são do que duas perspectivas diferentes das relações sociais. estas são uma rede complexa de interconexões dinâmicas em constante retroalimentação. cada nó desta rede produz como efeito aquilo que denominamos de indivíduo, enquanto a rede ela própria seria a sociedade. chamamos de mundo o modo como experimentamos este conjunto de interconexões. se o mundo está em colapso isto implica que são as relações sociais que estão em colapso. ou dito de outra forma: estão num agudo processo de reconfiguração.

III

este colapso, ou esta reconfiguração, está sendo experimentado pelos indivíduos, ou as pessoas, como uma negação, como se não estivesse de fato ocorrendo. porque este colapso é o colapso de um modo de vida, de um jeito de se viver. há a ilusão do modo de vida ser o bote salva-vidas capaz de garantir a sobrevivência em meio ao grande naufrágio, enquanto o que está de fato naufragando é o modo de vida.

IV

portanto, o que está em colapso, ou em reconfiguração, é o próprio modo de vida. quanto mais a ele nos agarramos, mais experimentamos, mesmo sob o prisma da negação, o seu colapso.

V

a reconfiguração do modo de vida é inexorável, inelutável, inescapável. o capitalismo global financeirizado cruzou uma fronteira a partir da qual outro modo de vida por ele está sendo implantado, como decorrência de um outro modo de produção.

VI

o modo de produção não se restringe ao plano econômico. abrange o conjunto do que denominamos de realidade, sendo esta o resultado do próprio processo de produção. cada modo de produção produz sua própria realidade.

VII

a reconfiguração do modo de vida se dá através da governamentalidade. esta deve ser entendida não como um regime de governo e sim como um modo de vigiar e controlar, a fim de configurar as relações sociais para produzirem o feed-back arquitetado no design do sistema.

VIII

migramos de uma governamentalidade sob o modelo da economia política para um paradigma cibernético. no qual a mercadoria mais importante é a informação. seu processamento ocorre num fluxo incessante, através de uma coleta e análise 24x7 de dados, para produzir informações e gerar  inteligência. produção-distribuição-consumo já não são instâncias delimitadas, e sim superpostas e interconectadas. a palavra cibernética em sua origem grega tem o significado de "governança".

IX

como em todo o período de transição, o upgrade de uma obsoleta forma de se governar "abre uma fase de instabilidade, uma clarabóia histórica onde é a governamentalidade enquanto tal que pode ser colocada em xeque".

X

colocar em xeque a governamentalidade é desenvolver um outro modo de vida. portanto, não se trata de se ater a um modo de viver descontinuado, o que seria de todo impossível pois este tende a desaparecer sob a configuração da nova versão de processamento. muito menos submeter-se voluntariamente ao novo modo de vida imposto pelo capitalismo cibernético, incorporando a atualização de seus algorítmicos.

XI

um outro modo de vida é também um outro modo de se fazer política. assim como a governamentalidade cibernética não elimina a econômica, apenas acima dela inclui um outro nível que determina os inferiores, um outro modo de se fazer política também incorpora alguns elementos anteriores por compatibilidade, mas os reconfigura sob uma nova versão.

XII

um outro modo de se fazer política se funda não em propostas de governo, ou mesmo em propostas de sociedade ou país, mas sobretudo numa proposta de um outro modo de vida. há muito já não se trata de uma luta restrita ao plano eminentemente econômico e institucional, sendo este o principal motivo de seu repetido fracasso. a definitiva questão a ser constantemente colocada é também a única maneira de enfrentar e superar o atual colapso: qual a vida que desejamos levar?


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