I
aquilo que nos acostumamos a chamar de mundo está em colapso.
II
tanto a sociedade
como os indivíduos nada mais são do que duas perspectivas diferentes das
relações sociais. estas são uma rede complexa de interconexões dinâmicas
em constante retroalimentação. cada nó desta rede produz como efeito aquilo que
denominamos de indivíduo, enquanto a rede ela própria seria a sociedade.
chamamos de mundo o modo como experimentamos este conjunto de
interconexões. se o mundo está em colapso isto implica que são as relações
sociais que estão em colapso. ou dito de outra forma: estão num agudo
processo de reconfiguração.
III
este colapso, ou
esta reconfiguração, está sendo experimentado pelos indivíduos, ou as pessoas,
como uma negação, como se não estivesse de fato ocorrendo. porque este colapso
é o colapso de um modo de vida, de um jeito de se viver. há a ilusão do modo
de vida ser o bote salva-vidas capaz de garantir a sobrevivência em meio ao
grande naufrágio, enquanto o que está de fato naufragando é o modo de vida.
IV
portanto, o que
está em colapso, ou em reconfiguração, é o próprio modo de vida. quanto
mais a ele nos agarramos, mais experimentamos, mesmo sob o prisma da negação, o
seu colapso.
V
a reconfiguração
do modo de vida é inexorável, inelutável, inescapável. o capitalismo
global financeirizado cruzou uma fronteira a partir da qual outro modo de
vida por ele está sendo implantado, como decorrência de um outro modo de
produção.
VI
o modo de
produção não se restringe ao plano econômico. abrange o conjunto do que
denominamos de realidade, sendo esta o resultado do próprio processo de
produção. cada modo de produção produz sua própria realidade.
VII
a reconfiguração
do modo de vida se dá através da governamentalidade. esta deve
ser entendida não como um regime de governo e sim como um modo de vigiar
e controlar, a fim de configurar as relações
sociais para produzirem o feed-back arquitetado no design do sistema.
VIII
migramos de uma governamentalidade
sob o modelo da economia política para um paradigma cibernético. no qual
a mercadoria mais importante é a informação. seu processamento ocorre num
fluxo incessante, através de uma coleta e análise 24x7 de dados, para produzir
informações e gerar inteligência. produção-distribuição-consumo
já não são instâncias delimitadas, e sim superpostas e interconectadas. a
palavra cibernética em sua origem grega tem o significado de
"governança".
IX
como em todo o
período de transição, o upgrade de uma obsoleta forma de se governar "abre
uma fase de instabilidade, uma clarabóia histórica onde é a governamentalidade
enquanto tal que pode ser colocada em xeque".
X
colocar em xeque a
governamentalidade é desenvolver um outro modo de vida. portanto,
não se trata de se ater a um modo de viver descontinuado, o que seria de
todo impossível pois este tende a desaparecer sob a configuração da nova versão
de processamento. muito menos submeter-se voluntariamente ao novo modo de
vida imposto pelo capitalismo cibernético, incorporando a atualização de
seus algorítmicos.
XI
um outro modo
de vida é também um outro modo de se fazer política. assim como a governamentalidade
cibernética não elimina a econômica, apenas acima dela inclui um outro
nível que determina os inferiores, um outro modo de se fazer política também incorpora
alguns elementos anteriores por compatibilidade, mas os reconfigura sob uma nova
versão.
XII
um outro modo de
se fazer política se funda não em propostas de governo, ou mesmo em propostas
de sociedade ou país, mas sobretudo numa proposta de um outro modo de vida.
há muito já não se trata de uma luta restrita ao plano eminentemente econômico
e institucional, sendo este o principal motivo de seu repetido fracasso. a
definitiva questão a ser constantemente colocada é também a única maneira de
enfrentar e superar o atual colapso: qual a vida que desejamos levar?
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