07 maio 2008

grau zero [1]

pouco importa a pronúncia, é hora de se deixar arrebatar pela magia do momento, pois o Brasil foi declarado um país sério e merecedor da confiança internacional [2], ombro a ombro com o Cazaquistão. [3]

não, não dá mais para endossar esse samba de uma nota só: ah, são os juros, os juros... [4] e agora? talvez reclamem das agências de risco... [5]

ainda bem que o mercado não presta nenhuma atenção a tal orquestra desafinada, preferindo apenas ouvir seu solista mais virtuoso. [6] visto que o BC se preocupa mais com a inflação futura do que com taxas imediatas. daí a importância das expectativas de inflação. [7]

foi cruzada uma fronteira importante e se abre uma estrada mais fácil de ser trilhada. [8] é o resultado da persistência de uma política econômica coerente, baseada no tripé responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação. [9]

também recomenda-se cautela. não podemos achar que é o fim da linha. o fato de o Brasil ter sido campeão do mundo não significa que o título será eterno. se jogar mal, perde o título. [10]

mas como? se o foco das agências de risco não é o crescimento ou o bem-estar da população. e se nem mesmo considera uma análise completa de todos os aspectos da economia de um país. e se trata tão-somente de uma avaliação acerca da probabilidade de que o país pague aquilo que deve... [11]

a classificação da Standard & Poor's deveria ser tão importante? a resposta é não! como foi aprendido com a crise do sub-prime, é perigoso se dar tanto peso à avaliação de uma agência de classificação. [12]

será que recebemos de presente uma maçã envenenada? uma futura herança maldita? [13]

o problema estrutural da economia brasileira é sua condição de "economia reflexa", que apenas se adapta a ciclos externos e, por isso, não constitui um projeto próprio de desenvolvimento. aprofundamos essa condição ao nos inserir no processo de globalização, principalmente, pelos fluxos financeiros, ao contrário das economias asiáticas, que privilegiaram a inserção pela produção e o comércio. [14]

com uma nova rodada de apreciação cambial, se aprofundará a tendência ao desequilíbrio em conta corrente e se consolida uma economia baseada em indústrias maquiadoras e na produção de commodities. mas essa é uma questão para o futuro, um tempo em que os especuladores de hoje não estarão mais aqui. [15]

como o BC está ampliando o diferencial entre o juro brasileiro e o americano, em vez de diminuí-lo, ficamos na iminência de um ataque especulativo ao contrário. na esteira da nota "investment grade", a entrada de capitais no país pode assumir proporções nunca antes experimentadas pelo nosso Banco Central. passamos do risco de calote ao risco de cassino. portanto, ser considerado "investimento seguro", neste momento, é algo bem arriscado. [16]

e o que dizer sobre o surpreendente timing de se conceder o grau de investimento bem no meio de um ciclo econômico que está prestes a virar? [17]

causa espanto o momento da decisão: um cenário externo hostil, marcado pelo temor de recessão mundial e de inflação. assumiu-se o risco de fazer um upgrade importante em um momento complicado para a economia mundial e para as próprias agências, devido aos ratings dos subprimes. não se esperava um movimento tão importante. [18]

não há nada de mágico no atual momento brasileiro. o que há é muita mágica. [19]


[1] Agência Standard & Poor's promove o Brasil a grau de investimento, 30/04/2008
[2] Lula, “O Brasil vive um momento mágico. Eu não sei nem falar direito a palavra ["investment grade'], mas, se a gente for traduzir isso para uma linguagem que os brasileiros entendem, o Brasil foi declarado um país sério, que tem políticas sérias, que cuida das suas finanças com seriedade e que, por isso, passou a ser merecedor de uma confiança internacional que há muito tempo necessitava.", 01/05/2008
[3] o grau de investimento tem dez subdivisões, e, com a elevação de "BB+" para "BBB-", o Brasil alcançou o nível mais baixo dentro dessa categoria, ao lado da Índia e do Cazaquistão.
[4] Paulo Leme, Departamento de pesquisa de mercados emergentes do Banco Goldman Sachs, 02/05/2008
[5] “Talvez agora reclamem das agências de risco”, Alexandre Schwartsman, 02/05/2008
[6] “Não atrapalhem o Banco Central!”,Valor Econômico, 28/04/2008
[7] Mario Torós , Diretor de Política Monetária do BC, 30/04/2008
[8] Luiz Carlos Mendonça de Barros, “Cruzando uma fronteira importante “, 02/05/2008
[9] “Talvez agora reclamem das agências de risco”, Alexandre Schwartsman, 02/05/2008
[10] Armínio Fraga, ex-Presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, 02/05/2008
[11] “Talvez agora reclamem das agências de risco”, Alexandre Schwartsman, 02/05/2008
[12] John Authers, Financial Times
[13] César Benjamin, “A futura herança maldita”, 03/05/2008
[14] César Benjamin, “A futura herança maldita”, 03/05/2008
[15] César Benjamin, “A futura herança maldita”, 03/05/2008
[16] Paulo Rabello de Castro, “A mágica do investment grade”, 07/05/2008
[17] Thomas Trebat, Diretor do Centro de Estudos do Brasil da Universidade Columbia, 01/05/2008
[18] “BCs discutem inflação” , Correio Braziliense, 05/05/2008
[19] Paulo Rabello de Castro, “A mágica do investment grade”, 07/05/2008

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