21 novembro 2019

América Latina: a Revolução negada (parte 1)



21/11/2019


a História da Esquerda na América Latina tem sido a exasperante repetição de um mesmo padrão, invariavelmente fracassado e levando a enorme sacrifícios - principalmente para o grosso da população, os mais pobres.

uma Esquerda incapaz de superar a ilusão de uma impossível conciliação com a classe dominante, tampouco da viabilidade do vanguardismo armado dissociado do movimento de massas.

uma classe dominante inapetente e incompetente de se mover para além da cômoda condição de sócia subordinada e minoritária do Imperialismo, abdicando de qualquer autonomia e projeção de poder internacional.

a História da América Latina, a nossa História, é a de uma Revolução negada: tanto a Revolução Democrática Burguesa quanto a Revolução Popular Socialista.

Bolívia, 2009:

em 2003 uma insurreição com epicentro em El Alto bloqueou com vagões de trem o acesso a La Paz, impedindo até mesmo a passagem de tanques militares, Sánchez de Lozada acaba renunciando.

em 2005 Carlos Mesa foi obrigado a deixar a presidência por um movimento ainda mais radical do que em 2003, mas Evo Morales intercedeu para canalizar a política das ruas para via parlamentar.

em 2009, após uma feroz campanha oposicionista da Direita, finalmente é referendada a Nova Constituição Boliviana, com Evo Morales sendo reeleito com 64% dos votos e o MAS conquistando maioria de 2/3 no Senado e na Câmara, levando a Direita parlamentar (Podemos) a se dissolver.

ainda assim, mesmo nesta correlação de forças amplamente favorável, com o "empate catastrófico" de 2003 tendo evoluído para uma vitória de goleada, Evo e o MAS fizeram uma fatal inflexão à Direita, paulatinamente estreitando seus laços com o poder hacendal-patrimonialista.

agora Evo submeteu-se a sugestão do Gal. Kaliman, renunciou e está exilado no México. Kaliman por sua vez, passou à reserva e mudou-se para Miami.

Bolívia, 1952:

uma insurreição popular liderada pelos mineiros não apenas derrubou o governo, como levou à dissolução do Exército e da polícia.

embora tão "vitorioso quanto impotente", o movimento dos trabalhadores se rende a um pacto, cedendo o governo ao MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) - que acabou por se demonstrar de um nacionalismo insuficiente e muito pouco de revolucionário.

em 1956 o MNR já adota um programa de arrocho pautado pelo FMI. de capitulação em capitulação o regime agoniza, até ser substituído em 1964 por uma Ditadura Militar.

o golpe foi liderado por um oficial das Forças Aéreas, que não existiam em 1952, tendo sido constituídas pelos governos do MNR, sob orientação dos EUA.

Chile, 1973:

em junho de 1973, Allende logra debelar uma tentativa de golpe, o  “tanquetazo”, graças a resoluta e heróica postura do General Carlos Prats, então Comandante em Chefe do Exército do Chile.

entretanto, em agosto de 1973, Prats cede a pressão dos golpistas e renuncia, recomendando como substituto Pinochet. Allende aceita e nomeia seu carrasco.

na manhã de 11/09/1973, ao se ver cercado no Palácio de La Moneda sob bombardeio cerrado, Allende ainda bradava pelo socorro de Pinochet: "Onde está  Pinochet?".

Pinochet estava no comando do golpe. Prats é assassinado no exílio, em 1974.

até os dias de hoje continua vigente a Constituição de 1980, que institucionalizou o neoliberalismo e foi promulgada sob Pinochet.

Equador, 2000:

em 09/01/2000, o governo de Jamil Mahuad decreta a dolarização da economia equatoriana, seguida de imediata macrodesvalorização, cujo impacto reduz o salário mínimo a US$ 4 e provoca 30% de queda da renda nacional em termos nominais.

uma imensa revolta popular leva a queda de Jamil Mahuad poucos dias depois (21/01/2000).

entretanto, o comandante da FFAA equatorianas trai o compromisso assumido com as lideranças populares. o governo é entregue ao Vice-Presidente e a dolarização se manteve até hoje intocada - inclusive pelo "progressista" Rafael Correa.

nas eleições de 2002 o movimento popular apoia o Coronel Lucio Gutiérrez, liderança militar surgida no levante de 2000.

Gutiérrez é eleito. tão logo toma posse trai o movimento popular e ratifica a dolarização, o austericídio e o alinhamento com os EUA.

Peru, 1990:

no final dos anos 1980, para a Esquerda peruana pareciam abertas as grande alamedas rumo a uma sociedade livre, visto o APRA social-democrata estar no governo tendo como maior força de oposição a Izquierda Unida, então franca favorita à sucessão.

na área rural, o vanguardismo armado da seita terrorista Sendero Luminoso regava a Revolução não só com o sangue dos camponeses, inclusive também pelo assassinato de lideranças políticas de Esquerda - entre as quais Maria Elena Moyano, exemplarmente dinamitada na frente de seus filhos.

pouco antes das Eleições de 1990, o grupo de Alfonso Barrantes racha a unidade da Iquirda Unida, em nome de conquistar o eleitor mais moderado.

Barrantes alcança apenas 5% dos votos. pela Izquierda Unida, Henry Pease não vai além dos 8%. com 22,5%. o candidato do APRA (Luis Alva Castro) perde a vaga no 2° turno para Vargas Llosa (32,6%) e Fujimori (29%).

Fujimori se elege no 2° turno como candidato anti-sistema, impulsionado pela palavra de
ordem: "Vote não ao choque!'' - contrapondo-se à proposta do liberal Vargas Llosa.

mas Fujimori era apenas contra o choque alheio, e logo tratou de impor o seu: o FujiShock, aplicando um ultra-liberalismo viabilizado através do terrorismo de Estado, imposto pelo auto-golpe de 1992.

o Peru ainda não se libertou da maldição a que foi condenado pelo duplo fracasso da Esquerda, seja pela via conciliatória - em suas duas versões, tanto do APRA quanto da Izquierda Unida - como do vanguardismo armado do Sendero Luminoso.

Colômbia, anos 1980:

em 1984 na Colômbia foram assinados os Acordos de La Uribe, ratificados pelas FARC consistiam num cessar-fogo bilateral em busca de uma saída política para a insurgência armada, incorporando-a à política institucional.

neste contexto de conciliação, surge em 1985 a UP (Unión Patriótica), uma frente de Esquerda que logo nas eleições de 1986 desponta como a terceira força política do país.

mas então as narco-milícias já dominavam a Colômbia, tendo como principal líder paramilitar Carlos Castaño, treinado em Israel, e assessorado por Yari Klein, mercenário israelense.

Castaño em sua autobiografia relata ter aplicado na região de Magdalena Medio, foco da insurgência, lições aprendidas no Líbano, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
entre 1988 e 1995, contabilizaram-se 6.177 assassinatos políticos e 10.556 assassinatos com motivações presumidamente políticas.

os mortos incluem quase todos os políticos eleitos pela UP, entre senadores, deputados,prefeitos e vereadores - além de dois candidatos à presidência.

na campanha presidencial de 1990, foram assassinados dois outros candidatos com inclinação progressista: Luis Carlos Galán, líder do novo liberalismo, e Carlos Pizarro, pelo M-19 - guerrilha que entregara as armas um mês e meio antes.

Argentina:

em dezembro de 2001, num contexto de greves e saques, com o movimento de massas ocupando as ruas sob a palavra de ordem "que se vayan todos", Fernando de la Rúa decreta estado de sítio, mas é obrigado a fugir do palácio presidencial de helicóptero.

na semana seguinte, mais 4 presidentes se vão...

os cabildos (assembléias populares) com participação massiva se multiplicavam por toda a parte, não apenas para discussão como principalmente encaminhando ações concretas: no bojo do Argentinazo emergia o Poder Popular.

o peronista Eduardo Duhalde (ex vice de Carlos Menen) assume um mandato tampão, período no qual é decretada a moratória da dívida e o fim da convertibilidade - na prática o fim da dolarização.

com a desvalorização do peso e a disponibilização de recursos anteriormente comprometidos com o serviço da dívida, alavanca-se o crescimento econômico e a distribuição de 2 milhões de Plan Jefes de Hogar Desocupados - programa compensatório da pobreza e desemprego.

apoiado por Duhalde, o até então pouco conhecido Néstor Kirchner se elege em 2003, com apenas 22% dos votos - sua votação no 1º turno, vencido por Carlos Menem que abre mão de prosseguir na disputa.

os governos Kirchner, de Néstor e Cristina, entre 2003 e 2015, se inscrevem no projeto peronista de consolidação de uma "burguesia nacional" para levar a cabo a Revolução Democrática.

mais uma vez o peronismo, reciclado como kirchnerismo, interviu para canalizar a revolta das ruas na esterilizante via institucional/parlamentar, operando pela conciliação de classes em nome do reformismo burguês.

muito embora medidas concretas, embates genuínos e melhora das condições de vida da população (ainda que deva ser relativizada tendo em vista seu referencial comparativo com a pior crise já enfrentada pelo país) os governos Kirchner nunca ultrapassaram o limite de mínimo denominador comum entre a fúria das massas populares e as exigências da ordem burguesa.

ao mesmo tempo que bloquearam o avanço da Revolução Popular Socialista foram incapazes de concretizar a Revolução Democrática Burguesa.

o motor da economia argentina seguiu sendo a exportação primária, com o agronegócio ocupando cerca de 2/3 do total de solos cultiváveis, dos quais 90% dedicados ao plantio de soja transgênica, correspondendo a 1/3 das exportações do país.

referência: "uma história da onda progressista sul-americana (1998/2016)"
Fábio Luis Barbosa dos Santos
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