a História da Esquerda na América Latina tem sido a exasperante repetição
de um mesmo padrão, invariavelmente fracassado e levando a enorme sacrifícios -
principalmente para o grosso da população, os mais pobres.
uma Esquerda incapaz de superar a ilusão de uma impossível conciliação
com a classe dominante, tampouco da viabilidade do vanguardismo armado
dissociado do movimento de massas.
uma classe dominante inapetente e incompetente de se mover para além da
cômoda condição de sócia subordinada e minoritária do Imperialismo, abdicando
de qualquer autonomia e projeção de poder internacional.
a História da América Latina, a nossa História, é a de uma Revolução
negada: tanto a Revolução Democrática Burguesa quanto a Revolução Popular
Socialista.
Bolívia, 2009:
em 2003 uma insurreição com epicentro em El Alto bloqueou com vagões de trem o acesso a La Paz, impedindo
até mesmo a passagem de tanques militares, Sánchez de Lozada acaba renunciando.
em 2005 Carlos Mesa foi obrigado a deixar a presidência por um movimento
ainda mais radical do que em 2003, mas Evo Morales intercedeu para canalizar a
política das ruas para via parlamentar.
em 2009, após uma feroz campanha oposicionista da Direita, finalmente é
referendada a Nova Constituição Boliviana, com Evo Morales sendo reeleito com
64% dos votos e o MAS conquistando maioria de 2/3 no Senado e na Câmara,
levando a Direita parlamentar (Podemos) a se dissolver.
ainda assim, mesmo nesta correlação de forças amplamente favorável, com o
"empate catastrófico" de 2003 tendo evoluído para uma vitória de
goleada, Evo e o MAS fizeram uma fatal inflexão à Direita, paulatinamente
estreitando seus laços com o poder
hacendal-patrimonialista.
agora Evo submeteu-se a sugestão do Gal.
Kaliman, renunciou e está exilado no México. Kaliman por sua vez, passou à
reserva e mudou-se para Miami.
Bolívia, 1952:
uma insurreição popular liderada pelos mineiros não apenas derrubou o
governo, como levou à dissolução do Exército e da polícia.
embora tão "vitorioso quanto
impotente", o movimento dos trabalhadores se rende a um pacto, cedendo
o governo ao MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) - que acabou por se demonstrar
de um nacionalismo insuficiente e muito pouco de revolucionário.
em 1956 o MNR já adota um programa de arrocho pautado pelo FMI. de
capitulação em capitulação o regime agoniza, até ser substituído em 1964 por
uma Ditadura Militar.
o golpe foi liderado por um oficial das Forças Aéreas, que não existiam
em 1952, tendo sido constituídas pelos governos do MNR, sob orientação dos EUA.
Chile, 1973:
em junho de 1973,
Allende logra debelar uma tentativa de golpe, o
“tanquetazo”, graças a resoluta e heróica postura do General Carlos
Prats, então Comandante em Chefe do Exército do Chile.
entretanto, em
agosto de 1973, Prats cede a pressão dos golpistas e renuncia, recomendando
como substituto Pinochet. Allende aceita e nomeia seu carrasco.
na manhã de
11/09/1973, ao se ver cercado no Palácio de La Moneda sob bombardeio cerrado,
Allende ainda bradava pelo socorro de Pinochet: "Onde está Pinochet?".
Pinochet estava no
comando do golpe. Prats é assassinado no exílio, em 1974.
até os dias de hoje continua vigente a Constituição de 1980, que
institucionalizou o neoliberalismo e foi promulgada sob Pinochet.
Equador, 2000:
em 09/01/2000, o governo de Jamil Mahuad decreta a dolarização da
economia equatoriana, seguida de imediata macrodesvalorização, cujo impacto reduz
o salário mínimo a US$ 4 e provoca 30% de queda da renda nacional em termos
nominais.
uma imensa revolta popular leva a queda de Jamil Mahuad poucos dias
depois (21/01/2000).
entretanto, o comandante da FFAA equatorianas trai o compromisso assumido
com as lideranças populares. o governo é entregue ao Vice-Presidente e a
dolarização se manteve até hoje intocada - inclusive pelo
"progressista" Rafael Correa.
nas eleições de 2002 o movimento popular apoia o Coronel Lucio Gutiérrez,
liderança militar surgida no levante de 2000.
Gutiérrez é eleito. tão logo toma posse trai o movimento popular e
ratifica a dolarização, o austericídio e o alinhamento com os EUA.
Peru, 1990:
no final dos anos 1980, para a Esquerda peruana pareciam abertas as
grande alamedas rumo a uma sociedade livre, visto o APRA social-democrata estar
no governo tendo como maior força de oposição a Izquierda Unida, então franca favorita à sucessão.
na área rural, o vanguardismo armado da seita terrorista Sendero Luminoso regava a Revolução não
só com o sangue dos camponeses, inclusive também pelo assassinato de lideranças
políticas de Esquerda - entre as quais Maria Elena Moyano, exemplarmente
dinamitada na frente de seus filhos.
pouco antes das Eleições de 1990, o grupo de Alfonso Barrantes racha a
unidade da Iquirda Unida, em nome de
conquistar o eleitor mais moderado.
Barrantes alcança
apenas 5% dos votos. pela Izquierda Unida,
Henry Pease não vai além dos 8%. com 22,5%. o candidato do APRA (Luis Alva
Castro) perde a vaga no 2° turno para Vargas Llosa (32,6%) e
Fujimori (29%).
Fujimori se elege no 2° turno como candidato anti-sistema, impulsionado
pela palavra de
ordem: "Vote não ao choque!''
- contrapondo-se à proposta do liberal Vargas Llosa.
mas Fujimori era apenas contra o choque alheio, e logo tratou de impor o
seu: o FujiShock, aplicando um
ultra-liberalismo viabilizado através do terrorismo de Estado, imposto pelo
auto-golpe de 1992.
o Peru ainda não se libertou da maldição a que foi condenado pelo duplo
fracasso da Esquerda, seja pela via conciliatória - em suas duas versões, tanto
do APRA quanto da Izquierda Unida -
como do vanguardismo armado do Sendero
Luminoso.
Colômbia, anos
1980:
em 1984 na Colômbia
foram assinados os Acordos de La Uribe,
ratificados pelas FARC consistiam num cessar-fogo bilateral em busca de uma
saída política para a insurgência armada, incorporando-a à política
institucional.
neste contexto de
conciliação, surge em 1985 a UP (Unión
Patriótica), uma frente de Esquerda que logo nas eleições de 1986 desponta
como a terceira força política do país.
mas então as
narco-milícias já dominavam a Colômbia, tendo como principal líder paramilitar
Carlos Castaño, treinado em Israel, e assessorado por Yari Klein, mercenário
israelense.
Castaño em sua
autobiografia relata ter aplicado na região de Magdalena Medio, foco da
insurgência, lições aprendidas no Líbano, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
entre 1988 e 1995,
contabilizaram-se 6.177 assassinatos políticos e 10.556 assassinatos com
motivações presumidamente políticas.
os mortos incluem
quase todos os políticos eleitos pela UP, entre senadores, deputados,prefeitos
e vereadores - além de dois candidatos à presidência.
na campanha presidencial
de 1990, foram assassinados dois outros candidatos com inclinação progressista:
Luis Carlos Galán, líder do novo liberalismo, e Carlos Pizarro, pelo M-19 -
guerrilha que entregara as armas um mês e meio antes.
Argentina:
em dezembro de 2001, num contexto de greves e saques, com o movimento de
massas ocupando as ruas sob a palavra de ordem "que se vayan todos", Fernando de la Rúa decreta estado
de sítio, mas é obrigado a fugir do palácio presidencial de helicóptero.
na semana seguinte, mais 4 presidentes se vão...
os cabildos (assembléias
populares) com participação massiva se multiplicavam por toda a parte, não
apenas para discussão como principalmente encaminhando ações concretas: no bojo
do Argentinazo emergia o Poder Popular.
o peronista Eduardo Duhalde (ex vice de Carlos Menen) assume um mandato
tampão, período no qual é decretada a moratória da dívida e o fim da
convertibilidade - na prática o fim da dolarização.
com a desvalorização do peso e a disponibilização de recursos
anteriormente comprometidos com o serviço da dívida, alavanca-se o crescimento
econômico e a distribuição de 2 milhões de Plan
Jefes de Hogar Desocupados - programa compensatório da pobreza e
desemprego.
apoiado por
Duhalde, o até então pouco conhecido Néstor Kirchner se elege em 2003, com
apenas 22% dos votos - sua votação no 1º turno, vencido por Carlos Menem que
abre mão de prosseguir na disputa.
os governos
Kirchner, de Néstor e Cristina, entre 2003 e 2015, se inscrevem no projeto
peronista de consolidação de uma "burguesia nacional" para levar a
cabo a Revolução Democrática.
mais uma vez o
peronismo, reciclado como kirchnerismo, interviu para canalizar a revolta das
ruas na esterilizante via institucional/parlamentar, operando pela conciliação
de classes em nome do reformismo burguês.
muito embora medidas
concretas, embates genuínos e melhora das condições de vida da população (ainda
que deva ser relativizada tendo em vista seu referencial comparativo com a pior
crise já enfrentada pelo país) os governos Kirchner nunca ultrapassaram o limite
de mínimo denominador comum entre a fúria das massas populares e as exigências
da ordem burguesa.
ao mesmo tempo que
bloquearam o avanço da Revolução Popular Socialista foram incapazes de concretizar
a Revolução Democrática Burguesa.
o motor da economia
argentina seguiu sendo a exportação primária, com o agronegócio ocupando cerca
de 2/3 do total de solos cultiváveis, dos quais 90% dedicados ao plantio de
soja transgênica, correspondendo a 1/3 das exportações do país.
referência: "uma história da onda
progressista sul-americana (1998/2016)"
Fábio Luis Barbosa dos Santos
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