25 abril 2009

my sweet Lady Jane [1]

oh, minha doce Lady! fiz tudo que podia. agora tenho que ir. tenho um compromisso. acabou-se, meu amor. sua hora chegou. eu lhe havia jurado lealdade. estimo suas melhoras. mas já caíram as areias da ampulheta. para você... e para mim... [2]

por que adoecemos?

o que é esta doença em mim me assolando como vingança cruel?

acidente ou destino?

um mal invasor a ser combatido com todas as forças de nosso ser?

ou na doença deveríamos reconhecer nós mesmos? nossa perversa face nos encarando com escárnio enquanto ao mesmo tempo nos suplica pela cura.

é a doença quem cura a doença?

ou o que nos cura são medicamentos, máquinas, operações, transplantes? nossa cura é dependente e tributária dos altos lucros da indústria farmacêutica?

afinal, temos ou não cura? seríamos todos nós, e a sociedade que criamos, absolutamente incuráveis? somos nós mesmos a doença que não pode ser curada?

doenças pessoais podem ser sintomas de doenças coletivas? sociedades também ficam doentes? é possível permanecer sadio em sociedades doentes? a doença é uma metáfora?

quem de nós não precisa de tratamento? de um jeito ou de outro...

mas que merda!

pobres de nós. pobres de nós brasileiros. pobre país. tantas lágrimas ainda. tanto sofrimento desnecessário.

a tortura de estarmos aprisionados entre o tormento de dois mundos. a maldição de um definitivamente morto, mas que não somos capazes de enterrar. e as dores abençoadas do parto daquele que luta por nascer, sem ainda o conseguirmos trazer à luz. [3]

uma exasperante travessia consumindo gerações. vidas inteiras que podiam ter sido e que não foram. fazer o quê por ti Brasil, se a única coisa a fazer é tocar um tango argentino... [4]

ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de brasileiros! quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu. [5]

se então é neste abismo que devemos nos atirar, que nele nos joguemos todos de uma só vez. agora. já. para que nos tornemos todos companheiros em nossa jornada coletiva de cura. para que do fundo do abismo possamos enfim emergir em direção ao céu.

ah, Lady Jane! eu sinto o gosto dos esgotos no chão. sob essas catedrais. sob essa escuridão. os edifícios tem de cair. ah, Lady Jane! toda essa terra vai se consumir. com os seus mistérios. como uma fogueira. vai queimar. ah, Lady Jane! eu tive um sonho estranho. de morte. e vida. [6]

seja feita a vossa vontade.

[1] Joana Grey, conhecida como Lady Jane, foi Rainha da Inglaterra por cerca de nove dias, mas não chegou a ser coroada e morreu executada por traição.
[2]Rolling Stones, “Lady Jane”
[3] Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil”
[4] Manoel Bandeira, “Pneumotórax”
[5]Fernando Pessoa, “Mar Português”
[6] A Barca do Sol, “Lady Jane”

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