19 maio 2016

o Brasil & o Brasil (7)

19/05/2016



“Orciny é a terceira cidade. Fica entre as outras duas. Fica no dissensi, nas zonas disputadas, lugares que Besźel acha que são de Ul Qoma e Ul Qoma acha que são de Besźel. Quando a velha comuna se dividiu, ela não se dividiu em duas, mas em três. Orciny é a cidade secreta.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville


em 1984 o Brasil também estava em transe. o Povo das ruas conclamava por “Diretas Já”. contudo, em cima dos palanques estava Tancredo Neves. o mesmo Tancredo que em 1961 convenceu Jango a ir com ele de avião para Brasília e aceitar o Parlamentarismo. enquanto Brizola e o comandante do III Exército propunham que a marcha fosse por terra, numa coluna das tropas legalistas e  do Povo das ruas para tomar a capital federal e debelar o golpe. se na frente de milhões de pessoas Tancredo defendia as “Diretas Já”, nas sombras dos bastidores trabalhava por exatamente o contrário. a conta foi paga com a vida, antes mesmo de ser desfrutada uma gota sequer do gosto do poder.

em 1993, ao explodir o escândalo dos “anões do orçamento”, ficou também exposto o mecanismo de financiamento empresarial das campanhas eleitorais. logo após o impeachment de Collor, era o momento para desatar o capitalismo de laços brasileiro. Lula e o PT optaram então pelo conchavo de cúpula, por julgarem ser inevitável sua vitória nas eleições do ano seguinte. veio o Plano Real, que, sob o marketing de “estabilizar” a economia, doou ao setor privado quase todo o patrimônio público e mesmo assim gerou uma incontrolável dívida interna. Lula se tornaria presidente apenas após assinar a “Carta aos Banqueiros Brasileiros” e em Washington anunciar Henrique Meirelles no Banco Central.

o Lulismo jamais deixou de ser uma estratégia de conciliação permanente a serviço de um projeto de hegemonia às avessas. ao ceder a quase todas as demandas de uma minoria para conceder alguns poucos benefícios para a maioria, em prol de uma governabilidade baseada no fisiologismo e no curto-prazo, o Lulismo nos trouxe à ingovernabilidade sistêmica.

os longos 13 anos perdidos do Lulismo: NÃO auditou a privataria tucana; NÃO auditou a dívida interna; NÃO desmantelou o aparato repressivo; NÃO puniu os crimes da Ditadura; NÃO reviu a Lei da Anistia; NÃO reviu as privatizações; NÃO regulou a mídia; NÃO democratizou a justiça; NÃO fez a Reforma Agrária; NÃO desmilitarizou a polícia; NÃO abandonou a política econômica neoliberal; NÃO desprivatizou o BC; NÃO alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal; NÃO tomou a iniciativa de proibir o financiamento empresarial de campanhas; NÃO deixou de financiar com recursos públicos os oligopólios; NÃO combateu os grande corruptores e a sonegação dos grandes grupos empresariais; NÃO permitiu que a Operação Satiagraha prosseguisse...

a vida inteira que podia ter sido e que não foi. tosse, tosse, tosse, ó meu Brasil. diga: treze... treze... treze... todo seu organismo está comprometido. então ainda é possível tentar alguma conciliação de classes? não! a única coisa a fazer é tocar uma canção anarquista.

a presente herança maldita do Lulismo é a mais grave crise de nossa História, combinando aspectos econômicos, políticos, sociais, institucionais e climáticos.

com o Lulismo morto, o governo Dilma afastado sob processo de impeachment, as instituições falidas e a representação política completamente disfuncional, o sistema de poder está ruindo diante de todos. chegamos assim ao grau zero: o Brasil como o conhecíamos desapareceu.

é preciso se desfazer de todas as ilusões. o novo nasce dos escombros do velho. ou não nasce. esta é uma luta que não está sendo travada apenas nos espaços públicos – nas ruas, nas praças, nas ocupações, na web – é também a luta em nossos corações e mentes por aquilo que poderíamos denominar de: nossa alma.
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