03 março 2006



Um Outro Édipo

arkx
Prefácio


O texto "Um outro Édipo” chegou a mim através da Internet, escrito por um amigo virtual. arkx .
Sendo uma pessoa com um processo de criação em sua forma e conteúdo peculiar, fã de Fernando Pessoa ( não seria eu a desdize-lo pois é também paixão minha mesmo antes de ter dirigido “O Marinheiro” em 1999) quando leu a cena da Esfinge do texto “À Grega” de Berkoff, a qual lhe enviei como resposta a um e-mail seu, escreveu e enviou a mim um texto que chamou minha atenção.
Tanto no conteúdo transcendente como na forma de faze-lo ou seja criando o texto durante seu cotidiano. Interessante também é que o restante do texto foi escrito na integra numa viagem que ele fez à Grécia. Um texto escrito mesclando : a viagem, o cotidiano e passando pelos locais onde a tragédia Édipo ocorreu. As citações apropriadas que ele inclui no texto como Heinner Müller e outros torna o texto de uma grande atualidade.

Precisamos de dramaturgia brasileira. Escrita por brasileiros. Muito.
arkx é uma pessoa que pode e deve desenvolver uma dramaturgia interessante .
Eu gostaria muito que fosse assim.
Nesse momento porém o que importa é que chegue a mão de vocês "Um outro Édipo" Chance e escolha . é o que fazemos o tempo todo mesmo que não tenhamos consciência disso. Eu escolhi editá-lo, por sua forma de ver a tragédia . Meu amigo arkx tem sua forma particular e sagaz de ver nosso mundo. Constrói um texto baseado nas tragédias de Sófocles, mas ao final as desconstrói por completo.
Dando uma solução transcendente para humanidade. Uma proposta de paz. De luz. Uma proposta que o mundo inteiro deveria ouvir!
E isso atraiu minha a atenção e me leva nesse momento a editá-lo. Oferecer as pessoas uma oportunidade de lê-lo e ou fazer uma montagem se assim desejarem! Boa viagem a quem quiser e tiver a chance e escolher ler “Um Outro Édipo”


Sandra Zugman
Um Outro Édipo

“Vocês, que vão emergir das ondas,
em que nós perecemos,
pensem quando falarem das nossas fraquezas
nos tempos sem sol
de que vocês tiveram a sorte de escapar.”
[1]



PRÓLOGO

Foi durante uma viagem à Grécia que aconteceu. Eu estava num daqueles ferrys indo para Santorini e sentia grande expectativa de conhecer a ilha, formada pela explosão de um vulcão em 1.450 AC.

Era um lindo dia de sol e o azul intenso do Mar Egeu chegava a resplandecer.

Apesar da paisagem, a viagem me causava um certo desconforto. Eu estava no deck do navio e soprava um vento frio e irritante que se infiltrava corpo adentro.

Além disto, grupos de turistas ocupavam todos os espaços disponíveis, acotovelando-se e disputando cada palmo de lugar ao sol.

Decidi descer e procurar um lugar no salão principal do barco.

Velhos jogavam gamão. Casais discutiam. Jovens se beijavam. Muita gente fumava sem parar. Várias pessoas dormiam jogadas em cima das poltronas. Pilhas de mochilas e bagagem se amontoavam pelos cantos.

Sinceramente, a cena me sugeria exatamente uma excursão de interioranos para alguma praia famosa numa cidade grande.

Demorei a encontrar alguma poltrona vaga. Percorri os corredores observando aquela mistura de nacionalidades.

Tão diferentes e tão iguais.

Quando enfim consegui me acomodar, logo reparei num jornal dobrado ao meio, bem embaixo do lugar onde me sentei. Peguei-o e vi que não conseguiria ler coisa alguma. Era grego. Mal dava para identificar algumas letras. Para mim, aquilo era tão indecifrável quanto os mistérios do mundo.
Entretanto algo me chamou a atenção. Folheei o jornal e caíram no meu colo algumas folhas manuscritas. Haviam outras no meio do jornal.

Examinei-as. Era papel comum, branco. Pareciam anotações. A caligrafia era clara e definida e no idioma inglês.

Comecei a ler e rapidamente descobri tratar-se de um rascunho de um texto para teatro.
Surpreendi-me com a complexidade do tema. E fiquei intrigado em como as idéias de quem escrevera se assemelhavam por demais com as minhas próprias.

Durante o restante de minha viagem à Grécia reli várias vezes aquelas folhas. Indaguei-me quem teria sido o autor. Embora tenha examinado detalhadamente o texto, nada pude descobrir que fornecesse a menor pista quanto a isto.

Imaginei inúmeras hipóteses para que alguém perdesse um trabalho que tivera tanta dedicação em elaborar. Quem sabe até não teria sido um esquecimento intencional...

Para quem ler o texto que encontrei ficará claro que não se trata de um trabalho acabado. O autor parecia reunir idéias e apenas esboçara o que de fato pretendia realizar.

Cheguei a considerar a possibilidade de eu mesmo completar a tarefa. Infelizmente, creio que minha habilidade literária jamais terá sido menos apropriada.

Talvez o texto acabe encontrando as mãos de quem enfim o possa finalizar. Ou mesmo, numa dessas irônicas reviravoltas do destino, venha a reencontrar aquele que foi o seu autor.


[1] “Aos que virão depois de nós”, Brecht
ABERTURA

O palco está vazio. Surge um homem com uma longa túnica antiga. Usa um bastão para se orientar enquanto caminha. Seus passos são lentos e medidos. Age como um cego. Está de óculos escuros. É o adivinho Tirésias.


Enquanto atravessa a extensão da cena de ponta a ponta, sem se deter, ele anuncia para a platéia, em voz alta e clara :

“Onde a platéia é levada a conhecer
que tanto Deus quanto o Diabo
habitam a Terra dos Homens.”

No fundo do palco se destacam iluminadas as ruínas de um antigo templo grego. Possivelmente o templo de Apolo, em Delfi, onde funcionava o Oráculo. No pórtico se lê a inscrição : “Conhece-te a ti mesmo”.

Um foco de luz acompanha dois atores vindos cada qual de um dos lados do templo. Uma música muito suave começa a se ouvir. A princípio bem baixo, o som progressivamente aumenta de volume.
Os dois atores, um homem e uma mulher, começam a dançar. A coreografia assemelha-se a balé, quase clássico. Os movimentos são harmoniosos e delicados e sua execução é marcada e rígida.
Após algum tempo, a dança se transforma. A evolução se torna mais espontânea e é realizada com força e paixão. A movimentação se torna quase atlética.

A música é vibrante e sugere transe e êxtase.

Em momentos, outros atores entram em cena. Uns descem do teto do palco, deslizando em fitas coloridas. Outros entram pelas laterais. E os demais saem do fundo do palco.

Todos se reúnem, formando um grupo que executa uma complexa e diversificada performance misturando dança, acrobacia, mágica e pirotecnia.

É difícil não se contagiar com a exibição e vibrar com o sublime da arte e o divino da criação.

Saltimbancos pré bárbaros e pós civilizados celebrando o milagre da existência.

Uma outra concepção do tradicional coro grego. Uma multiplicidade que jamais se reduz a qualquer unidade. Somos todos grupúsculos. Minorias dentro de nós mesmos. Um rio que nunca é o mesmo rio. Um fluxo que não cessa de se transformar. Um rio embaixo do rio.

Identidade, totalidade, unidade : a malha de poderes que tornam os corpos úteis e dóceis.

Coro :

“Ao lado do fascismo do campo de concentração desenvolvem-se novas formas de fascismo molecular : um banho-maria no familialismo, na escola, no racismo, nos guetos de toda natureza, supre com vantagens os fornos crematórios.”
“Em última análise, tudo depende do talento dos grupúsculos humanos em se tornarem sujeitos da História, isto é, em agenciar, em todos os níveis, as forças materiais e sociais que se abrem para um desejo de viver e mudar o mundo.”[1]

Ao final, o grupo faz uma mesura para a platéia, que aplaude calorosamente.

Dirigindo-se sempre aos espectadores, os integrantes do grupo alternam-se nas falas.

“Vocês: a raça humana. O apogeu da criação. Quem são vocês ? Quem serão ? Essa criatura feita daquela mesma matéria dos sonhos, frágil e preciosa.”

“Vocês: o ser humano. Os donos do planeta. Geraram filhos e povoaram a terra. Espalharam-se nas quatro direções. Ergueram cidades majestosas. Construíram impérios. Dominaram as alturas e as profundezas.”

“Vocês: os novos deuses. Desvendaram o segredo da árvore da vida. Manipularam o código genético. Decifraram a Tábua das Esmeraldas. Fabricaram outros seres e outras formas de se estar vivo. Tanto poder... Tanta sabedoria...”

“Vocês: saberão ao menos quem são ? Quem se importa com isso ? O que se é... O que se deve ser... Todos apenas querem ser. Eu quero. E quero mais. E sempre mais e mais e mais.”

O próximo integrante do grupo a falar aponta apara a inscrição no templo : “Conhece-te a ti mesmo.”

“Então é isso ? Apenas esse infatigável desejo, jamais saciado. Esse desejo que surge do vazio, de uma ausência anterior a tudo ? Uma irresistível saudade do gênesis ? Uma ânsia em retornar ao útero materno para novamente se perder na escuridão do inconsciente ?”

“Conhece-te a ti mesmo. Mas o que poderiam eles dizer a respeito disto ? Almejam a ser deuses... Ou apenas nos deixem quietos em nosso canto. Apenas humanos. Quero sentir mais prazer. Quero amar e ser amado. Ah ! A felicidade...”

“Conhece-te a ti mesmo. Essa tola criatura, escravizada por um desejo que sempre conduz ao mesmo velho e conhecido ponto. Aquela fatídica encruzilhada onde nada mais restará do que assassinar o próprio pai e engravidar a própria mãe.”

“Um desejo que produz tão somente a escuridão e a morte.”

“Conhece-te a ti mesmo. O que vocês tem feito, senão transformar este lindo planeta num vale de lágrimas. Deuses ? Ou apenas humanos ? Demasiadamente humanos... Não... Dentro de cada um de vocês também moram demônios sedentos de tortura e infâmias. “

“Que criatura é esta que traz misturado dentro de si Deus e o Diabo em igual proporção ? Que ser é este que parece desfrutar de um mórbida satisfação em ser odiado ? Como consegue a humanidade extrair tanto prazer da morte e da destruição ?”

“Conhece-te a ti mesmo. 06/08/1945. O dia em que a humanidade definitivamente se olhou no espelho. O dia em que o ser humano mostrou a cara. 06/08/1945 ou 09/08/1945. O que sabem vocês sobre estas datas ? Quem se lembraria ? Por que não sabemos ? Por que estas datas foram metodicamente esquecidas ?”

A partir deste ponto, o grupo de atores parece tomado por um tipo de surto. Uma agitação febril e doentia se apossa de todos.

Uma hipnótica música techno acompanha todo o restante da cena. Um tipo de som atualmente utilizado como diversão neurótica nos grandes centros urbanos, mas que talvez tenha sua principal utilidade como controle mental de multidões.

Progressivamente um frenesi cada vez mais histérico se instala. Entre gritos e exclamações, as falas se sucedem rapidamente, num ritmo de afirmação e réplica.

“A história ! Essa sucessão de genocídios e atrocidades. “

“Caim matando Abel.”
“E Abraão sacrificando o próprio filho a Deus.”

“Cristãos atirados aos leões.”
“E os crime da Santa Inquisição.”

“A Diáspora dos judeus.”
“E os guetos palestinos.”

“Tiro ao alvo em crianças muçulmanas em Sarajevo.”
“E mulheres afegans cobertas dos pés a cabeça e apodrecendo prisioneiras em suas próprias casas.”

“Escravos morrendo nos porões dos navios negreiros.”
“E etnias tribais se trucidando em Ruanda.”

Um clima de possessão domina o palco. Demonstrando estarem completamente fora de si, os atores agem como se dominados por alguma força diabólica.

A batida obsessiva da música techo contribui para acentuar ainda mais o clima de furor e descontrole.

Os integrantes do grupo avançam em direção a platéia. Circulam pelos corredores quase correndo. É como se um bando de loucos enraivecidos houvesse invadido o teatro trazendo medo e paranóia.

“O esquizofrênico delira a história e não o sujo segredinho familiar.”

Os atores falam sem parar e ao mesmo tempo, movendo-se nervosamente em todas as direções.
Delírio. Transe.

“Era por volta da hora sexta, e houve trevas em toda a Terra até a hora nona. O Sol se escureceu e rasgou-se pelo meio o véu do Templo.”
“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os deuses.”
“O conhecimento é amor.”
“por impaciência, o Homem perdeu o Paraíso”
“por preguiça, não volta a ele.”
“criado à imagem de Deus.”
“Estás no mundo, mas não sois do mundo.”
“Eu sou a porta.”
“Darás a luz no sofrimento.”
“E como Moisés elevou a serpente no deserto, é preciso igualmente que o Filho do Homem seja elevado...”
“Ó tempo, suspende teu vôo...”
“Cada instante pode ser salvo, restituído à sua dimensão eterna”
“Comerás pó todos os dias da tua vida...”
“pois és pó, e ao pós retornarás.”
“Deus se fez homem para que o homem se torne Deus.”
“O verbo se fez carne para que a carne se torne Verbo.”
“Demole tua casa, constrói um barco...”
“A sabedoria divina é loucura para os homens.”
“Destruirei a sabedoria dos sábios ...”
“que se torne louco, afim de tornar-se sábio..”
“a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus...”

De repente, um dos atores para diante de um espectador. O ator balbucia e esbraveja como um demente, perdido num delírio psicótico.

“Por que me perguntas o teu nome ?”
“Eis que a realização de toda carne chega.”
“Vós sois o sal da terra.”
“Vós sois a luz do mundo.”

Em seguida, todos os demais atores cercam o espectador escolhido. Trata-se de mais um ator misturado à platéia.

O grupo age com agressividade e converge toda sua fúria para o ator/espectador. Agarram-no pelo braço, o forçam a ficar de pé e o retiram da poltrona.

“Todo homem será salgado com fogo.”
“Pai, pai por que me abandonaste.”
“os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres recebem as boa-nova.”

Enquanto o mantém cercado, empurram-no seguidamente. Ele tenta reagir, mas é dominado pela superioridade e violência do grupo.

“saí do Pai e vim ao mundo.”
“uma inimizade estabelecerei entre tua semente e a semente dela.”
“Eu estava em paz, Deus me quebrantou”
“Ele me agarrou pela nuca e me fez em pedaços.”
“Ele abre em mim brecha sobre brecha...”
“que esse cálice seja afastado”
“brotam chamas, faíscas ardentes...”

Um dos membros do grupo pega um capuz e cobre com ele a cabeça do ator/espectador. Ele é levado para o palco. O grupo o carrega pelos braços e pés como um animal arrastado para o local do sacrifício.

No palco, o ator/espectador é atirado ao chão e totalmente coberto com um grosso pano. Os atores o agridem com chutes e alguns o acertam seguidas vezes com pedaços de madeira.

“Bem aventurados os puros de coração, pois eles verão a Deus.”
“O abismo me cercou...”
“aqueles cujo nome é Legião.”
“Eu disse: vós sois deuses.”
“Não toques em mim, pois eu ainda não subi ao Pai.”
“Não vos chamarei mais servos, mas amigos.”
[2]

O desenvolvimento é tão realista e grotesco que provoca perplexidade e indignação na platéia. Os atores prosseguem com as falas durante todo o tempo. A música techo em alto volume faz com que a cena se assemelhe a um ritual macabro.

Um dos atores traz um galão com algum líquido inflamável. Despeja seu conteúdo sobre o corpo coberto no chão e ateia fogo. O corpo se debate. Suas pernas tremem, numa convulsão causada pelas chamas.

Enquanto o corpo é consumido pelo fogo, todos os atores declamam em coro :

“Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.”
“Todo aquele que vive, e crê em mim, não morrerá.”

“Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.”
“Todo aquele que vive, e crê em mim, não morrerá.”

“Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.”
“Todo aquele que vive, e crê em mim, não morrerá.”
[3]

O grupo grita, chora e gargalha diante da imolação. Uma oferenda aos deuses. Um tributo aos Demônios. O ritual está consumado.

Sacrifício humano. Humano sacrifício. O indivíduo e o grupo. Deuses e Demônios. Criação e destruição. Arte e vida.

A platéia assiste horrorizada a cena. E um nauseabundo odor adocicado de carne humana queimada toma conta do teatro.

As luzes se apagam por completo.

Num enorme tela no centro do palco é projetada uma explosão nuclear. Hiroshima e Nagasaki. 06/08/1945 e 09/08/1945. O trovão da bomba reverbera por toda a parte, fazendo as poltronas tremerem e todos experimentarem uma desconfortável vibração em seus plexos solares.

Da mesma forma que a performance inicial provocou encantamento e identificação na platéia, o final causa asco e rejeição. Representa o lado demoníaco do ser humano.

Ao da cada cena, o coro interpreta uma citação :

Coro :

"Se o homem se encontra consigo mesmo no mais profundo do mais baixo, do pior e, encontrando face a face com o Dragão que existe no fundo dele mesmo, é capaz de abraçar esse Dragão, de unir-se a ele, então surge o divino e é a ressurreição !" [4]



[1] “Revolução Molecular”, Felix Guattari
[2] citações extraídas de “O Simbolismo do Corpo Humano”, Annick de Souzenelle
[3] Lucas: 25,11
[4] “O Simbolismo do Corpo Humano”, Annick de Souzenelle
A PESTE GLOBAL

Usando uma máscara contra gases, Tirésias anuncia uma nova cena :

“A Peste Global :
onde a moléstia escapa da alma dos homens
e contamina o planeta inteiro.”


O cenário é totalmente branco. Iluminação forte e chapada. Não há sombras. Manequins pendem do teto, bonecos de corpo inteiro também totalmente pintados de branco. Estão suspensos de cabeça para baixo por cordas de um vermelho intenso, florescente.

A Peste global é asséptica. É a doença que realizou a aspiração definitiva da enfermidade e tornou-se hegemônica. Apresenta-se como a única forma possível de saúde e é o modo de vida da sociedade contemporânea.

Os atores se vestem com malhas colantes de cor branca. Têm os rostos, braços, pernas e pés maquiados de branco. As falas são pronunciadas de forma intercalada enquanto os atores movem-se entre os manequins.

“A Peste ! Ela voltou !”
“Como voltou ? Alguma vez teria ela se ido ?”
“A Peste ? Ela está por toda a parte !”
“Contaminou a todos ...”
“Mas ela sempre esteve aqui !”
“A Peste surgiu com o mundo ?”
“Não ! Não ! Ela veio com o homem.”
“Então é o homem a própria Peste ?”
“Não ! Mas a Peste está dentro do homem.”
“Mas como ? Se vemos a Peste no mundo...”
“Não no mundo todo. Apenas no mundo dos homens.”
“Foi o homem quem criou a Peste ?”
“Não ! Ela foi criada junto com o homem.”
“A Peste estava no barro de Adão ?”
“Não ! A Peste veio com o sopro de Deus.”
“Como é possível ?”
“Como o Criador inoculou sua amada criatura ?”
“Não teria o homem contraído a Peste ao ser expulso do Paraíso ?”
“Não ! Naquele momento a Peste foi apenas ativada.”
“E a humanidade começou então a padecer os efeitos da Peste. Mas a Peste já estava nos genes desde a criação.”
“ó céus ! ó deuses ! Como pode ser assim ?”
“Uma criatura amaldiçoada desde o surgimento. Um ser já nascido perverso e infame.”
“Isto não é justo ! Isto não é certo !”
“Adão, Jó e Cristo. Foi esse o caminho previsto desde a Criação. E isto não é apenas justo e certo. É o percurso definido em direção à transcendência.”
“Como ! Se por onde passo apenas vejo a Peste. O demônio tomou conta do mundo. Os homens venderam suas almas.”
“Ah ! O dinheiro ! Essa diabólica invenção que reduz tudo a um nada que pode ser trocado por tudo.”
“Foi o homem quem fez as opções. Foi o homem quem escolheu os caminhos.”
“Foi o homem quem elevou a Peste ao estado da arte.”
“Os homens batizaram a Peste com muitos nomes.”
“Clã e Patriarcado.”
“Império.”
“Coroa e Conquista.”
“Família e Estado.”
“Colonialismo.”
“Economia de Mercado”
“Globalização.”
“O homem fez da Peste a sua civilização. Edificou templos e escreveu enciclopédias em homenagem a ela.”
“O homem fez com que a Peste se irradiasse de dentro dele e se disseminasse por tudo o que ele toca.”
“A Peste se tornou maior e mais forte do que o próprio homem.”
“Globalização.”
“O futuro não precisa de nós !”
[1]

“Não teriam sido a competição e o mercado os impulsionadores do progresso ?”
“A civilização humana não tem se aperfeiçoado ao longo do tempo ?’
“Não está se tornando menos injusta ?”
“Não temos hoje a ONU, a Declaração dos Direitos do Homem, o direito de voto ?”
“E a democracia. E a liberdade de escolha. E os direitos das mulheres.”
“E a penicilina.“
“E a robótica, a nanotecnologia, a engenharia genética”
“A Peste torna cegos os que, na verdade, sempre quiseram permanecer na escuridão.”
“A Peste se alimenta da ignorância. E a ignorância é a mãe da ingenuidade e da má-fé.”
“Nunca os ricos foram tão ricos e os pobres foram tão pobres. Nunca a concentração de riqueza e a desigualdade foram tão cruéis e profundas.”
“O que chamam de progresso nada mais tem sido que o acirramento da injustiça e a exaltação da ganância.”
“O homem desenvolveu o poder de levar à extinção não apenas a si próprio como a todas as demais formas de vida no planeta.”
“Um grupo de consultores dos governos e transnacionais mais poderosos do planeta planeja eliminar 100 milhões de habitantes ao ano, para ampliar a racionalidade da economia global.”
[2]
“Tudo será feito sem escândalo: através de fome, desmonte dos serviços públicos, guerras tribais, ajustes fiscais.”
“Ah ! Essa estúpida teimosia dos pobres em reproduzir-se.”
“Ah ! Essa incurável incapacidade genética dos subdesenvolvidos.”
“Ah ! Essa repugnante proliferação e reprodução de pessoas analfabetas, incapazes de ganhar a vida, supérfluas, degeneradas.”
“A prostituição.”
“A transmissão da AIDS.”
“A redução dos gastos sociais.”
“A reincidência de doenças.”
“A malária. A tuberculose. A cólera. As epidemias.”
“Os baixos salários.”
“As privatizações dos serviços públicos.”
“A negação da noção de cidadania”.
“As esterilizações em massa.”
“A contracepção forçada.”
“O mercado mundial é que deve permanecer como o grande princípio organizador da sociedade”.
“A seleção das "vítimas" não deve ser responsabilidade de ninguém, senão das próprias "vítimas".”
“Elas selecionarão a si mesmas a partir de critérios de incompetência, de inaptidão, de pobreza, de ignorância, de preguiça.”
“Numa palavra, elas estarão no grupo dos perdedores".
“Os flagelos dos quatro cavaleiros do Apocalipse: a Conquista, a Guerra, a Fome e a Peste.”

Coro :

“Auschwitz não foi um desvio ou exceção, e sim um altar do capitalismo, último estágio das Luzes e modelo de base da sociedade tecnológica. Auschwitz seria o altar do capitalismo porque ali o homem é sacrificado em nome do progresso tecnológico, porque o critério da máxima racionalidade reduz o homem ao seu valor de matéria-prima, de material; seria o último estágio das Luzes ao realizar plenamente o cálculo, por elas inaugurado; e, finalmente, seria o modelo de base da sociedade tecnológica porque o extermínio em escala industrial consagra até mesmo na morte a busca de funcionalidade e eficiência, princípios fundamentais do sistema técnico moderno.” [3]





[1] “The future doesn’t need us”, Bill Joy
[2] “O Relatório Lugano”, Susan George
[3] Heiner Müller , poeta e dramaturgo alemão
A MULHER DESAFIA O TIRANO

Tirésias, de pé num dos cantos do palco, segura displicentemente um revólver. As luzes estão apagadas, apenas um tênue foco luminoso cai sobre Tirésias.

“O caminho do homem justo é cercado por todos os lados pela iniquidade dos egoístas e pela tirania dos homens maus. Abençoado seja aquele que, em nome da boa vontade e da solidariedade, conduz os fracos através do vale das trevas, pois ele encontrará as ovelhas desgarradas e se tornará verdadeiramente o guardião de seus irmãos. Agirei com grande vingança e raiva contra aqueles que tentarem envenenar e destruir meus irmãos. E eles saberão que eu sou o Senhor quando minha fúria se abater sobre eles”. [1]

Após sua fala, Tirésias aponta o revólver para o fundo do palco e dispara várias vezes.

As luzes se acendem. O palco está repleto de aparelhos de TV. Empilhadas umas em cima das outras, as TV formam grandes painéis. Os programas exibidos são noticiários sobre economia e mercado financeiro.


Uma Mulher contracena com o Tirano, que é apresentado apenas como uma voz e imagens nas TV.
Quando a Mulher se dirige ao Tirano, em alguns monitores aparece uma boca dizendo as falas dele.

Por vezes, um único olho é exibido na tela de todas as televisões. Um olhar frio e sinistro. Jamais se verá qualquer imagem com o rosto do Tirano. A voz do Tirano é rouca e metálica. Não mais humana. Uma voz mutante.

O sol nunca se põe no mercado financeiro. Trilhões de dólares circulam vertiginosamente dando a volta ao mundo diversas vezes. Nunca como antes, não há qualquer pátria para o capital. Os Estados caem de joelhos frente ao poder de transações instantâneas, medidas em mili segundos de silício na rede mundial de computadores. Reproduzindo-se cada vez mais rápido. Girando cada vez mais veloz. Expandir. Crescer. Além de qualquer limite.

Coro :

“O capitalismo contemporâneo é mundial e integrado porque potencialmente colonizou o conjunto do planeta, porque vive em simbiose com países que historicamente pareciam ter escapado dele e porque tende a fazer com que nenhuma atividade humana, nenhum setor da produção fique fora de seu controle.” [2]

Mulher :

“Eu não tenho medo de você. Não me importo de morrer. Se mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria. Mostra a sua cara. Você tem um rosto. Você não me engana. Você se disfarça como se fosse uma esfinge, mas você é uma farsa. Seu apetite não se contenta em apenas devorar homens. Você quer destruir o mundo inteiro. Assim como meu pai degolou a esfinge, vou arrancar todas as suas cabeças e decepar todos os seus tentáculos cravados pelo mundo afora.”

Tirano :

“Quem é você para me desafiar, ser pequenino e desprezível. Você é apenas um rosto anônimo na multidão, de quem sou o reverenciado e temido senhor. Você é um nada. O que você pode contra mim ? Eu possuo exércitos e controlo os meios de comunicação. A uma palavra minha, um pretexto se forja. E você é preso, humilhado, torturado, exterminado. As massas me admiram e me invejam. Você apenas sonha. Sonhos inúteis. Sonhos em vão. Seu heroísmo é patético e juvenil. Você não passa de um eterno perdedor.”

Mulher :

“Eu já disse. Pode me matar. Assim sairei da vida, mas entrarei na história. E o sonho de que fui escravo se tornará o sonho comum daqueles que não mais serão escravos de ninguém. Você pode matar o meu corpo, mas meu espírito sempre permanecerá livre. E meu exemplo fecundará os povos.”

Tirano :

“Ah ! Mas só agora é que reparei. É uma mulher... Você deve se imaginar uma espécie de Antígona, que sozinha derrotou o tirano. E morrendo heroicamente foi imortalizada pelo teatro grego. Por acaso você acha que farei como Creonte e sucumbirei vítima de problemas de consciência ? Pois saiba que minha consciência é a dança frenética das cotações no mercado financeiro. E meu único problema é constantemente reavaliar minha estratégia de auto perpetuação.”

“Mulher insolente e audaciosa. O que é mesmo que as mulheres querem ? Até onde vocês mulheres pensam que podem chegar ? Sua única conquista é o direito de se masculinizarem e tornarem-se tão gananciosas e competitivas quanto os machos, que vocês tanto desejam.”

“Pensando melhor, talvez eu não lhe mate. Você se acha esperta e muito forte. Eu pesquisei como funciona seu cérebro. Eu posso lhe controlar tornando-a louca. Dispor de seus pensamentos e de seus desejos. Mantê-la morta entre os vivos. E viva entre os mortos. Deixá-la definhar lentamente num limbo químico. Lavagem cerebral e neuro-programação. Eletrochoques. Posso fazê-la vagar num torpor até que sua mente se esvazie por completo. Posso até fazer com que você se esqueça de si mesma.”


Mulher :

“É verdade. Você tem poder. Mais poder do que qualquer poder humano que até hoje existiu. Você concretizou o sonho de todo império. Você transformou o planeta inteiro em nada mais que matéria-prima para a sua insaciável ambição. Você é a peste. A Peste Global.”

“Mas o meu poder vem daquilo que você não entende. E nunca entenderá. O meu poder vem daquilo que você pensa controlar. E que jamais conseguirá. Meu coração é o pêndulo do mundo. E bate no ritmo do mistério da vida.”

“O que você sabe sobre a tempestades de fogo que iluminam minha alma ? E sobre o canto de amor dos golfinhos que embala meu sono ? Por acaso lágrimas lhe escorrem na face ao lembrar da dor e do êxtase que é parir ? Um arrepio de angústia lhe corre na espinha por causa de noites insones passadas na paixão de criar ? Sua garganta se aperta e sua respiração se perturba ao fitar o céu e se deparar com a insignificância de tudo e de todos ?”

“Enquanto você se obceca com sua auto perpetuação, eu fiz da morte minha companheira. Você se julga imortal. Mas eu sei que tudo sempre passará. Meu poder vem da consciência de minha morte iminente, que faz com que seja eterna a duração de cada instante de minha vida.”

Tirano :

“Tive uma idéia ainda melhor. Quem não gosta de poder e dinheiro ? Não almeja você ao reconhecimento ? Não é isto que você quer ? Tornar-se um exemplo... Uma lenda... Pois eu lhe concedo tudo isto sem nenhum sacrifício. Sem dor. Apenas prazer. Por acaso você rasga dinheiro ? Dinheiro é bom. Dinheiro é liberdade. Dinheiro é poder.”

Mulher :

“O que o dinheiro pode comprar ? A felicidade ? Pouco me importa a felicidade. O que é ser feliz ? O que vale a felicidade frente a abraçar meu destino e me integrar com o núcleo do meu ser ? Pouco me importa se o dinheiro compra ou não a felicidade...“

“E o dinheiro ? Existe mesmo o dinheiro ? Ou não passa de um pesadelo maligno implantado na mente da humanidade pelos déspotas e tiranos ? Que utilidade tem o dinheiro para aquilo só habita o interior dos homens ? O dinheiro me enoja. Se tudo tem um preço, o preço do próprio dinheiro é abrir mão dos sonhos. É tornar o sonho nada mais do que mera ambição.“

“Reconhecimento ?! A grandeza, talvez a mais profunda, é a de permanecer numa grandeza anônima. Que ninguém me conheça e que todos apenas saibam do resultado dos atos que fiz. Não sou eu quem falo. Não sou eu quem ajo. São todos eles que falam e agem através de mim.”

Tirano :

“Você fala bonito, mulher. Mas suas belas palavras e sua vã poesia nada mais são do que a profecia de sua desgraça. Você irá morrer.”

Coro :

“Ele foi levado nu até uma praça. Pedaços de carne foram arrancados de seu corpo com tenazes de aço. As chagas formadas nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas foram queimadas com chamas de enxofre. Em seguida foram aplicadas sobre as feridas chumbo derretido, óleo fervente e piche em fogo, seguidamente. A seguir seu corpo foi puxado e desmembrado por quatro cavalos. Ele foi decapitado. Seus membros, seu tronco e sua cabeça consumidos ao fogo, reduzidos a cinza. E suas cinzas lançadas ao vento.” [3]



[1] “Pulp Fiction”, Quentin Tarantino
[2] “Revolução Molecular”, Felix Guattari
[3] “Vigiar e Punir”, Michel Foucault
ÉDIPO E O ORÁCULO

Surge Tirésias. Ele para no centro do palco. Retira o óculos escuros, levanta-o e o examina, verificando se está sujo. Enquanto limpa com cuidado as lentes, introduz um novo ato :

“Édipo e o Oráculo :
onde cada pergunta já traz em si sua resposta
e o mais importante é saber o que perguntar.”


Um homem sentado numa pedra sobre uma extensão de areia. No lugar dos olhos apenas buracos com marcas de sangue escurecido escorrendo rosto abaixo. Do seu lado direito há uma coluna grega, semi enterrada e bastante inclinada, com uma esfinge em seu topo.


Édipo, atormentado pela culpa e remorso, luta inutilmente para afugentar seus fantasmas.

“Ah! Nuvem de trevas ! Nuvem abominável que te estendes sobre mim, imensa, irresistível, esmagadora ! Ah ! Como sinto penetrar em mim o aguilhão de minhas feridas e a lembrança de meus males !”

”Se existe uma infelicidade maior que toda infelicidade, esse é o quinhão de Édipo !”

“É tão doce a alma viver fora de seus males!”

“Depressa, em nome dos deuses, ocultai-me em alguma parte, longe daqui, matai-me, ou lançai-me no mar, num lugar onde nunca mais me vejais...”

“Olhai. Vede Édipo, esse famoso decifrador de enigmas, que se tornou o primeiro dos humanos. Ninguém em sua cidade podia contemplar seu destino sem inveja. Hoje, em que terrível mar de miséria ele se precipitou ! É portanto esse último dia que um mortal deve sempre considerar. Guardemo-nos de chamar um homem feliz, antes que ele tenha transposto o termo de sua vida sem ter conhecido a tristeza.”
[1]

Após o monólogo de Édipo, entram em cena duas mulheres. Toca uma música oriental. Talvez uma antiga melodia persa. As mulheres executam uma dança na qual rodopiam vertiginosamente.

Quando as mulheres cessam de girar, posicionam-se de cada lado de Édipo e de frente para a platéia.
Começam a mover-se lentamente, sem saírem do lugar. Seus corpos ondulam suavemente como reagindo a uma vibração transmitida a partir de seus umbigos. Quadris, braços, mãos e cabeça balançam harmoniosamente.

São movimentos sutis mas ao mesmo tempo intensos e de muita energia.

Enquanto dançam, pronunciam suas falas.

“O que mais poderia ser dito ? Sua velha e repetida pergunta só obterá a conhecida resposta. Seu destino é o mesmo. Sempre aquele mesmo, profetizado há milênios. Matarás seu pai e casarás com sua mãe. “


“Mas o que é o destino ? O que é o destino senão procurar um caminho. Um caminho entre os milhares de caminhos que não levam a parte alguma. Mas o que será o destino senão encontrar os milhares de caminhos que nos levam e que somos nós.”

“Os oráculos estão em toda a parte. Consulte o relógio. 14:14 28O C. READ THE CODE. Atenção ! Aqui e Agora ! Atenção ! Sintonia. Sincronia. Contato. Nós somos o oráculo. Somos a notícia no jornal. A cena do filme e a música no shopping. O mendigo na rua e o vendedor de picolé. Estamos nesse algo que fala. Atenção ! Aqui e Agora ! Atenção ! Sintonia. Sincronia. Contato. Existe uma voz que fala. Nós somos o oráculo.”

“Abraça teu destino. Conhece-te a ti mesmo.”

“ Você é que você é. O que sempre tem sido. O que todos foram antes de você. Pais e filhos. Assassino incestuoso. Busque a luz e não a escuridão. Aceite quem você é. Integre a sua origem. É inútil tentar escapar. Você é o que você é. Apenas proclame : Sou eu, mas não é meu !”

“Há sempre tantas perguntas a fazer... Por quê sempre indagar o que já se sabe ? Enquanto você fugir do destino, ele lhe perseguirá implacável. Os caminhos sempre se encontrarão. Sempre aquela encruzilhada maldita. Sempre Deus e o Demônio. Você é o que você é. Apenas proclame : Sou eu, mas não é meu !”

“É de dentro prá fora. É de baixo prá cima. O que está em cima está embaixo. O que está embaixo está em cima. Segurei a mão de um demônio e falei com a língua dos anjos, apenas para estar com vocês.”

Coro :

“De início a dança é a imagem do jogo rítmico, fonte de todo o movimento do ser; em seguida, libera o homem ilimitado da ilusão de ser um indivíduo aprisionado nas fronteiras de sua pele: seu corpo e seu ser são o universo inteiro; finalmente o ‘lugar’ da dança, o centro do universo, está no coração de todos os homens.”

“Dançar a vida não seria, antes de tudo, tomar consciência de que não apenas a vida, mas o universo é uma dança, e sentir-se penetrado e fecundado por esse fluxo do movimento, do ritmo, do todo ?” [2]



[1] “Édipo Rei”, Sófocles
[2] "Dançar a Vida", Roger Garaudy

TIRÉSIAS QUESTIONA O HERÓI

Trevas dominam o palco. Apenas uma luz mortiça numa das extremidades. De costas contra uma parede de metal frio e negro, há um homem agachado. Está sujo e ferido, bastante ensaguentado, e com as roupas em farrapos. Ele esconde sua cara entre os braços.

O homem puxa seus cabelos com violência, diversas vezes. Levanta o rosto e com as mãos na cabeça, solta gritos lancinantes.

A solidão e o desespero do herói abandonado nas masmorras e calabouços. A coragem e a ousadia frente a frente com a tortura e a morte.

Herói :

“Eis-me a trilhar o derradeiro caminho, a contemplar os últimos raios de sol. Este é o fim. A acolhedora morte me leva viva às margens de um rio de águas amargas, sem desfrutar de meu sonho. Sou, desventurada, arrastada por este franqueado caminho. O brilho desta flama sagrada já não me é dado, infeliz, contemplar. Minha morte não-chorada amigo nenhum lamentará. Estou só. Não me choram amigos. Vede que leis me golpeiam. Parto, a hora chegou. Vede os males que aqui padeço dos homens por ser piamente piedosa.” [1]

O foco de luz se extingue. Surge Tirésias. Está sem óculos escuros e não usa a bengala. Muito agitado e nervoso, mas sem qualquer dificuldade para andar, se move de um lado para o outro, rodopiando sem direção.

Tirésias :

“Eis o herói. Mais uma vez doando sua vida para alimentar a história. Mais uma vez enfrentando o supremo sacrifício. Eis a tragédia. Mais uma vez morremos no final... “


“Navegar é preciso. Viver não é preciso.”

“Meus cegos olhos se cansaram de presenciar tanta desgraça e infortúnio. Estou farto de heróis mortos. Pobre do povo que precisa de heróis... “

“Os heróis querem salvar o mundo ? Mas o que há para se salvar nesse mundo agonizante ? E querem os homens serem salvos ? Ou é o homem o próprio mal que deve ser exterminado ?”

“Chega de renúncias... “

“Isto tudo já me encheu.”

“Jocasta se suicida. Édipo arranca os olhos. Antígona morre. Creonte é consumido pela culpa. O coro faz coro. A platéia aplaude. Os nobres Patrícios sorriem satisfeitos. E os deuses prosseguem com suas orgias olímpicas.”

“Chega ! Tirésias está farto !”

“A tragédia grega já me encheu. Estou cansado desta balela. Isto é um blefe. Uma mera diversão para os deuses. Um incessante martírio para os humanos.”

“Para cada déspota destronado milhares de diminutos pequenos tiranos se proliferam no cotidiano. Minúsculos tiranos, parasitas dos nossos mais recônditos desejos. Microscópicos tiranos, inseridos em cada gesto, em cada pensamento, em cada palavra. São eles a fonte inexaurível de todo o sofrimento e de toda a opressão."

“Estou farto de tragédias ! ”

“Quero ver ! Quero a luz ! Ah ! O tempo é chegado. Basta de mortes !”

“Ora, a morte...”

“Onde está o homem que é maior do que a morte ? A morte ... “

“Por quê é mesmo que se morre ? Talvez por não se sonhar bastante... “ [2]

“Paro à beira de mim e me debruço... Abismo...E nesse abismo o Universo. Com seu tempo e seu espaço, é um astro, e nesse alguns há, outros universos, outras formas de Ser com outros tempos, espaços e outras vidas diversas desta vida.” [3]

“Não se trata de tornar os sonhos reais. Quando é a própria realidade que deve ser tornar um sonho. O sonho é mais intenso e mais real do que a realidade.”

Tirésias em transe. Delira. Já não é mais o vidente que anuncia e decifra os mistérios e segredos do futuro, do dia que virá, do retorno ao Paraíso perdido. Tirésias se torna a testemunha da Utopia oculta no presente. Daquilo que surpreenderá a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder por tanto tempo ter estado oculto quando terá sido o óbvio.

“O homem novo vive entre nós ! Ele está aqui ! Isto basta-lhe ? Vou-lhe dizer um segredo : eu vi o homem novo. É intrépido e cruel ! Tive medo diante dele !” [4]

“Agora eu sei, eu adivinho. O reino dos homens terminou. Chegou Aquele que o terror dos povos receava. Aquele que os padres inquietos exorcizavam; que os feiticeiros evocavam nas noites sombrias, sem o ver ainda; a quem os pressentimentos dos mestres passageiros do mundo emprestaram todas as formas monstruosas ou graciosas dos gnomos, dos espíritos, dos gênios, das fadas, dos duendes. Após as grosseiras concepções dos primitivos pavores, os homens mais perspicazes pressentiram-no com maior clareza. E descobriram a natureza do seu poder antes que ele próprio o tenha exercido. Desgraçados de nós ! Desgraçado do homem ! Ele chegou, o.., o.. Como se chama ele ? ... o.. parece-me que ele grita o seu nome, e eu não o ouço... sim... ele grita... o.. escuto... não posso... repete ... o.. ouvi... é ele... ele chegou !” [5]


Coro :

“Estamos agora num ponto excepcional da história. Dentro de muito pouco tempo, chegaremos a um momento em que vai haver no mundo um número de pessoas vivas superior ao número de todas quantas viveram e morreram em todas as épocas precedentes. Os mortos serão minoria.”
“Enquanto a experiência passada excedia em muito a experiência corrente, o inconsciente coletivo era, por sua própria natureza, conservador: o ritual e a estrutura superavam a novidade. Os arquétipos mudavam com tamanha lentidão que pareciam eternos. Quando a experiência corrente excede a passada, a situação se reverte: a novidade e a mudança reinam supremas. Os arquétipos se vêem forçados a surgir em números estonteantes, muitos deles tendo uma existência curta demais para serem registrados. Todavia, algum novo arquétipo estável, algum “símbolo vivo” deve surgir de maneira espantosamente rápida ( em comparação com a escala glacial que costuma caracterizar o aparecimento de arquétipos ), um arquétipo dotado de força suficiente para obter a primazia sobre todos os arquétipos criados pela experiência passada da humanidade.” [6]

[1] “Antígona”, Sófocles
[2] “O Marinheiro”, Fernando Pessoa
[3] “Primeiro Fausto”, Fernando Pessoa
[4] Adolf Hitler
[5] “Lê Horla”, Maupassant
[6] “Uma Interpretação Junguiana do Apocalipse”, Robin Robertson
UM OUTRO ÉDIPO

Coro :

"Sonhava de um marinheiro que se houvesse perdido numa ilha longínqua. Nessa ilha havia palmeiras hirtas, poucas, e aves vagas passavam por elas...Não vi se alguma vez pousavam...Desde que, naufragado, se salvara, o marinheiro vivia ali...Como ele não tinha meio de voltar à pátria, e cada vez que se lembrava dela sofria, pôs-se a sonhar uma pátria que nunca tivesse tido; pôs-se a sonhar uma outra pátria que nunca tivesse tido; pôs-se a fazer ter sido sua uma outra pátria, uma outra gente, e outro feitio de passarem pelas ruas e de se debruçarem nas janelas...Cada hora ele construía em sonho essa falsa pátria, e ele nunca deixava de sonhar..." [1]

O coro entre em cena. Todos se reúnem, sentando-se no centro do palco. Um dos membros se destaca e fala, dirigindo-se para os demais :

“Passeando na praia nessa tarde, encontrei na beira da água uma garrafa. Provavelmente lançada ao mar por algum marinheiro náufrago numa ilha desconhecida. Dentro da garrafa haviam algumas folhas manuscritas e páginas arrancadas de um livro de poemas de Fernando Pessoa.”

Enquanto o texto recolhido do interior da garrafa é interpretado, numa tela ao fundo várias imagens de rostos. Rostos de pessoas comuns se misturam ao de celebridades.

Presidentes e motoristas de táxi. Pedreiros e políticos. Atores e ladrões. Comerciantes. Banqueiros. Músicos. Mendigos. Professores. Negros. Padres. Jogadores de futebol. Bêbados. Poetas e policiais. Traficantes e diretores de teatro. Executivos. Travestis. Donas de casa. Modelos. Meninos de rua. Apresentadores de TV.

para Édipo :

Na tela, as imagens são de homens.

“Quem é você ? Um homem ? Nem macho você consegue ser mais. Se arrastando envergado por ter de arcar com o peso do próprio pau. Durante o dia você gosta de exibir, sorridente, sua taxa de colesterol, como se fosse um recorde olímpico. Mas à noite, a cobra no meio de suas pernas permanece tão flácida quanto aquela outra ao longo se suas vértebras. O que lhe dói mais : suas costas ou sua consciência ? Você se julga o rei do pedaço, o deus sol. E humilha e oprime. Subjuga povos. Estupra a natureza. Tudo para a glória da única coisa que você realmente reverencia, e que você mesmo inventou : o dinheiro. Você um herói ? Você não passa de um conquistador barato. E quando tira do lugar a cabeça das mulheres, é apenas para exibi-las como um troféu. O seu prazer, se é que se pode chamar aquela sensação de prazer, é sempre muito fugaz e muito precoce. E, para você, gozar como uma fêmea é quando alguma puta lhe enfia um caralho de plástico no rabo. Você cai de quatro na frente de qualquer buceta que lhe assobie oferecida com seus lábios insinuantes. Mas é sempre incompetente para decifrar o enigma e acaba devorado no final. Você é um engodo. Um mero cachorrinho de madame. Como você deixa um buraco, quase sempre fedido, um vazio suplicando para ser preenchido com vida, lhe sugar toda a energia ? Você nunca me enganou. Seu desejo secreto é se arrastar de volta para o aconchego e proteção do úmido e quente útero da mamãe. ‘Olha que gracinha, o filhinho da mamãe ! Faz gracinha, faz filhinho, prá mamãe ver..’ Ó ! Será que todos os homens se tornaram fracos ? Onde estão os verdadeiros heróis ? Os Argonautas que sabem que viver não é preciso, pois a vida já é o desconcertante navegar para mares desconhecidos. Não, eu não vou lhe devorar. você me provoca nojo. Você não passa de maligna podridão. Uma espécie de câncer. Se o ingerir, vou acabar vomitando.”

Na tela, agora as imagens são de mulheres.

para Esfinge :

“Que tipo de criatura é você ? Não sei se merece compaixão ou ira... Como você se deixa escravizar séculos a fio por esta coisica aqui ao meu lado ? Por este homem... Você deixou que lhe confiscassem o próprio corpo, que foi reduzido a uma fábrica de gente. Quando seu útero existe para gerar sonhos e parir universos. Você me leva às gargalhadas ao falar de prazer, queridinha. Só pq é capaz de gozar 10 vezes, enquanto o garanhão amestrado aqui do lado dá apenas uma !? Pois eu seria capaz de fazê-la gozar 100 vezes, sem ejacular sequer uma única gota. O que você conhece, ou poderá algum dia vir a conhecer, sobre esse prazer ? O orgasmo de provocar orgasmos... Enquanto o bestalhão ali se especializou em dor e destruição, eu pesquisava o conhecimento do êxtase e da criação. Você se vangloria de seus ciclos ligados a natureza ? Você é mesmo muito pretensiosa e por isto permanece muito primitiva. Quem precisaria colocar um tampão no cú para que as fezes não escorram pernas abaixo ? Você não possui a menor autogestão sobre seus ciclos. eles funcionam em você e apesar de você. E não por você. Se não fosse assim, você iria atrapalhar tudo, com sua obsessiva subserviência ao coração. Seria TPM todos os dias, a cada instante. tenho más notícias, minha cara. A verdade é que você ainda não evoluiu completamente além do estágio do cio. Você nunca me enganou. O que você sempre quis é um homem para chamar de seu. o “meu homem”. Um herói encantado por quem você perca a cabeça. Mas, no fim, ele será devorado. e se tornará um velho senil, brocha e doente, de quem você extirpou toda a masculinidade. Óu, se todas as mulheres são esfinges, por quê seus enigmas são tão simples de serem decifrados ? E por quê todas oferecem em troca apenas serem degoladas ? Onde estão as mulheres cujo enigma é dar à luz o novo homem e o novo mundo ? Não, eu não vou cortar fora a sua cabeça. você mesma já se encarregou de fazê-lo. O grande desafio seria ajudar a colocá-la de volta em cima do pescoço.”

Na tela, as imagens são dos massacres em Ruanda.

“Eu até poderia simpatizar com vocês dois, se não fossem tão perigosos. A quem vocês pensam que enganam ? Vocês não são mamíferos. Todos os mamíferos, assim como os demais animais neste planeta, mantém uma relação de equilíbrio com o seu meio ambiente. Mas vocês não ! Vocês invadem um lugar. Se estabelecem e se proliferam. Até que esgotem todos os recurso naturais. A única forma de se manterem vivos é invadindo um outro lugar e repetir sucessivamente o ciclo de destruição. Existe uma outra forma de vida que obedece a esse mesmo padrão : um vírus. Não, eu não vou destruir vocês. Vou apenas deixar que façam aquilo que mais sabem e que mais gostam: destruir uns aos outros.”

O ator, membro do coro, se dirige para a platéia.

“E não julguem existir algum mórbido prazer em minhas palavras. Meu coração já se exauriu em lágrimas. E tenho sangrado em todas as batalhas. O que me mantém vivo é a plena certeza de que em alguns de vocês já estão brotando as sementes, que foram deixadas desde a aurora dos tempos. E que farão com que, enfim, possamos compartilhar o que é viver sob a ordem da liberdade, igualdade e fraternidade.”




[1] “O Marinheiro”, Fernando Pessoa
ATRAVÉS DOS SONHOS

O coro se levanta. Todos se movimentam, executando uma performance semelhante a do início. As falas são ditas intercaladamente pelos membros do coro.

“Você meu pai ? Você minha mãe ? Quem são esses estranhos que dizem ser meu pai e minha mãe ? Só porque me conceberam numa foda sonolenta e sem graça ? Afastem-se do meu caminho ! Pai da puta que o pariu ! Mãe do caralho ! Eu sou meu pai, minha mãe e eu. Eu mesmo me pari. Arranquei-me de seus culhões e fugi de seu útero.”


“Eu sou a peste ? Não, não, não ! De jeito nenhum ! Vocês dois são a peste em mim. Eu sou a origem do mal ? Não ! O mal já estava em todos os que vieram antes de mim. Eu apenas fui infectado por todos vocês. Pais e mães. Avós e avôs. A linhagem transmissora da peste, desde que o mundo é mundo. Vocês me queriam iguais a vocês: propagadores da peste. Mas eu tinha outros planos. Simplesmente me deixei infectar. Porque esse é o único modo de deter a peste. Eu só poderia lutar contra ela se a aceitasse em mim. Se ela estivesse em cada gene que foi minha herança.”

“Mergulhei no abismo de abismos. Vasculhei os calabouços assombrados nos subterrâneos do meu corpo e da minha alma. Passagens obscuras. embrulhos fedorentos abandonados nos cantos. Esgotos e maldições. Trevas sem qualquer luz."

“E encontrei todos vocês que se tornaram eu. Genealogia de monstros. Torturadores que ouvem poemas enquanto estilhaçam os ossos de suas vítimas. Psicopatas que ejaculam enquanto lentamente asfixiam recém nascidos. Impotentes que se deliciam ao rasgar o ventre de mulheres grávidas e devorar seus fetos. Gênios que, sempre nas sombras e sem um pingo de sangue nas mãos, criam os mais inconcebíveis dispositivos de destruição. E descobri também toda uma multidão de criaturas medíocres e ordinárias. avarentos, invejosos, mesquinhos, preguiçosos e egoístas. Pedaços fantasmagóricos de carne sem brilho algum. Gente. Seres humanos.”


“Estive frente a frente com o mal, que me encarou sarcástico a cada vez que espreitei de relance o espelho. E me oferecia a morte e a loucura. E me gritava que eu era fraco, que eu estava só e abandonado, que minha luta era inútil e minha busca absurda.“

“Tantas vezes derrotado. Tantas vezes humilhado. Senti o cheiro do meu corpo ardendo na fogueira. vaguei enlouquecido entre os animais.”

“Conheci a derrota no cerne do meu ser.”

“Então abri todas as masmorras. Libertei todos os demônios. Deixei que voltassem ao mundo de quem são filhos. E que procurassem aqueles de quem são pais. Todos eles são vocês. Todos eles são eu. E não sou nenhum deles. Assumi todas as responsabilidades e não sinto nem um pingo de culpa. Meu corpo treme e arde. A porta do céu se abriu. E vislumbrei não o paraíso, mas a utopia. E me torno o transe e o delírio. E sonho um novo homem e um novo mundo.”

“Por que eu deveria arrancar os olhos e minha mãe se enforcar ? Apenas porque tivemos uma boa foda ? Somente porque ela enfim conheceu o orgasmo ? Então, deveria eu explodir as rochas da Terra, só porque, como um lagarto, perambulei sobre elas, que como imensos clitóris se convulsionaram de prazer ? Por que o Sol se tornaria negro ? Somente porque me penetrou com sua luz, me incendiando, e me tornando um êxtase em chamas ?”

“Matar meu pai ? E propagar sua tradição de infâmias e traições ? Não ! O lugar de meu pai jamais me interessou. Ele que fique com seu trono ! Meu reino não é deste mundo, nem de nenhum outro mundo. meu reino nem mesmo tem rei. E nunca foi meu ! É nosso !”

“Destruir a esfinge ? Mas se é ela com seus enigmas que faz com que minha vida se torne um desafio incessante !”

“Desejar a ignorância, a escuridão e a morte ? Não ! Quero ainda mais luz e mais vida e só sei que nada sei.”

“E amei meu pai, porque ele é humano. E amei minha mãe, porque ela é humana. E eles se tornaram enfim aquilo que nunca haviam deixado de ser : meus irmãos. Mãe, pai, vocês sempre estiveram mortos. Eis a luz e eis a vida. Eis a cura da peste, que de mim não mais se disseminará.”

“O que é o homem senão pó soprado através da terra. O que é o homem senão luz incandescente iluminando o céu. Pai, mãe, não sou filho de vocês por mero acaso. Eu os acompanhei enquanto procuravam um ao outro para me darem a chance de viver. Eu já estava com vocês quando durante o coito me desejaram no arder de seu gozo. Me abracem. Me abracem forte. Somos todos tão comuns. E ao mesmo tempo tão raros e preciosos. Somos todos feitos daquela mesma coisa tão efêmera: a matéria dos sonhos. Me abracem. Me abracem fortes todos vocês. Os momentos de plenitude não se esvaem pelos dedos como areia perdida de implacável ampulheta. eles são nossos para sempre. E os viveremos eternamente em toda a sua intensidade.”

“Eu quis encontrar um caminho, entre os milhões de caminhos que levam a parte alguma. Eu quis encontrar os milhões de caminhos parte do caminho que me leva. E que sou eu. pai, mãe, sou o resultado de seus sonhos e não os trairei jamais. E este sonho, a mais intensa realidade, conquistarei como tributo a vocês. A carne de que sou feito enfim flutuará resplandecente, iluminando o caminho que sou eu. Eis este mundo de luz que não é mais vocês nem eu... Mas nós que nos tornamos a luz do mundo...”