27 dezembro 2020

Diários da Pandemia #46: Ano II - Bom Aquarius e Feliz Fim do Mundo Velho

 

nossos amigos nos enviaram, a nosotros, um irônico cartão de "Boas Festas": "Merry Crisis e Happy New Fear".

o que festejar? se ao redor de todos nós os cadáveres se amontoam, formando pilhas subindo em direção ao céu.

a peste globalizada inaugura seu Ano II, ainda sem remissão. e prossegue a temporada de internações e mortes. como bônus amaldiçoado, as sequelas.

nunca foi tão flagrante a pulsão de morte inerente ao Capitalismo, com sua índole suicida e seu impulso destruidor.

o Capital odeia a vida!

desenvolvida em tempo recorde pela Big Pharma, que vende saúde mas lucra com a doença, a vacina injetará ainda mais rentabilidade na indústria farmacêutica, cujo Capital literalmente "jorra sangue por todos os poros".

para a Medicina de Mercado já não mais se trata de "curar" as enfermidades, e sim de "mantê-las sob controle", exigindo para isto um uso prolongado da medicação.

pressão arterial, diabetes, colesterol, cardiopatias, disfunção renal, asma, artrose, rinite, etc... a doença é crônica, assim como o resultado financeiro por ela gerado.

as causas das doenças não são superadas, apenas suprimem-se os sintomas, aprofundando-os como desequilíbrios mais graves e gerando efeitos colaterais múltiplos.

clamamos é pela cura! para isto é impositivo superar a mercantilização da vida. alguma vacina contra o Capitalismo?

escolhemos viver num tempo de colapsos combinados, uma inédita e mais do que perigosa encruzilhada da História:

- a decadência dos EUA como hegemon;
- a crise sistêmica do Capitalismo;
- o armagedon climático;
- a pandemia do Sars-CoV-2.

após todos esses meses, com quase 200 mil mortos notificados no Brasil, já é mais do que tempo de compreendermos: não há nenhuma solução mágica, fácil e rápida.

não haverá retorno. além disto, naqueles tempos de mórbida "normalidade", quanto de vitalidade nos restara? já estávamos mesmo mortos...

no cruel e desesperador tempo do agora, nosotros não cessamos de nos indagar: como parar uma máquina de matar e esconder corpos?

"Não esperamos um outro deus ou um outro homem - pelo contrário, procuramos aqui e agora, entre as ruínas que nos rodeiam, uma forma de vida humilde, mais simples, que não é uma miragem, porque dela temos memória e experiência, mesmo que dentro e fora de nós os poderes inimigos sempre a tenham relegado ao esquecimento."

Giorgio Agamben - 23/11/2020

e onde, e quando, nada parecia estar acontecendo, apenas se viam ruínas se acumulando, já se pode vislumbrar o que emerge à superfície dos tempos.

a confluência de muitos Povos para fazer brotar a grande aliança entre os Seres da Terra. enfim, um mundo onde caibam muitos mundos.

não apenas contemplem o alvorecer da Era de Aquarius, para ela raiar precisamos participar concretamente do nascimento de outros mundos!

estamos todos no esgoto. mas alguns de nós não somente olham para as estrelas, como já caminham com seus pés firmemente em contato com a Terra.

"As ilhas de conservação no mar da devastação são também onde os povos têm erguido suas moradas e semeado uma nova sociedade que se harmoniza com a Mãe Terra."

Ademir Antônio e Erahsto Felício

como encontrar o mapa desta rota para as ilhas de utopia?

as pessoas virão. elas vão chegar sem nem compreenderem direito por quais motivos.

irão abandonar suas vidas sem sentido. e tomarão um novo caminho, mesmo sem saber ao certo aonde ir.

elas virão!

e chegarão como crianças fascinadas com uma nova descoberta.

e será como se mergulhassem em águas mágicas. e suas emoções serão tão densas, que elas poderão tocá-las no arrepiar de suas peles.

e seus ancestrais irão sussurrar aos seus ouvidos, contando histórias dos tempos em que não havíamos perdido a conexão com a Terra.

as pessoas virão! sem sombra de dúvidas, elas virão!

"É no fundo desta situação e no fundo de cada um de nós que havemos de procurar o espírito de nossa época. É aí que “nós” nos encontramos, é aí que se fazem os verdadeiros amigos, dispersos pelos quatro cantos do globo, mas que anseiam por caminharem juntos."

"Merry Crisis e Happy New Fear", Comitê Invisível

 


 

02 novembro 2020

Reencontros em Finados

Ainda ía dar 7h da manhã. Estacionei a camionete para pegar água mineral no Parque de Caxambu (MG).

Atravessei a rua. Assim que piso na calçada, escuto alguém chamando: - arkx?

É um senhor, com um filhote de pittbull na guia.

Ele repete: - É o arkx, né?

- Ué!  Como vc me conhece? Já sei! Do programa do Duplo Expresso!

Ele confirma e iniciamos uma boa conversa. Fico pensando em como ele me reconheceu, mesmo eu usando máscara.

Ele conta que me vira no programa do DE, desde então estava me procurando pela cidade, por meses.

E justo agora que estava prestes a se mudar, me encontrava.

Diz que após passar a vida entre SP e o Rio, já estava há alguns anos em Caxambu.

No Rio ele morou por 40 anos, em Santa Teresa - o mesmo bairro que eu!

Disse que ele e a mulher, com quem tem um filho de 7 anos, gostariam de viver num sitio. E minha aparição no programa do DE fez com que pensasse: 

- Este é o cara que vai me ajudar a encontrar uma terra.

No momento ele precisava ir para SP, por motivos particulares. Mas pretendia retornar o mais rápido possível.

Ele também fez referência a sua trajetória de militância política, desde o tempo da ditadura.

Comento sobre a Teia dos Povos. Ele responde que não conhecia, mas se interessara muito pelo que eu lhe dizia a respeito.

Trocamos nossos contatos e ficamos de manter a comunicação.

Assim que voltei ao sítio postei uma msg para ele:

Somos antigos companheiros nos reencontrando.
Quando o mundo está desmoronando, e só restarão ruínas, não devemos nos desesperar, porque desde sempre trazemos um mundo novo em nossos corações.
E cada vez que nos reencontramos, como agora, este mundo novo cresce e se torna mais forte.

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31 outubro 2020

Diários da Pandemia #30: Chão, Rumo e Iluminação



"Moço, vocês tudo vive um tempo sombrio, é Iku que tá passando, procurando levar quem ele possa tirar o emi.

Vocês de carne e osso fizeram muita maldade e chamaram Iku.

Enquanto tiver comida, fome, miséria, violência, ódio, Iku sempre vai estar por aí, procurando ajogun."

Caboclo Serra Negra

frente a tamanha destruição, como se proteger e não se deixar abater pelo desespero e pela impotência?

o fascismo se alimenta da pulsão de morte. a ele devemos contrapor a biopotência: o desejo de viver e a gratidão por estarmos vivos.

assim a morte se torna uma companheira a nos desafiar: mude... ou morra!

a pandemia é também uma convocação para deixar morrer tudo aquilo nos impedindo de viver com plenitude.

para viver precisamos mudar. e só o que muda a vida é a luta.

"Não há outra alternativa senão lutar contra o Capitalismo. E o ponto sagrado do Capitalismo é a propriedade privada, é a terra! Só com terra é possível ter liberdade.

Precisamos ter coragem. Nós precisamos acreditar que é possível um outro mundo. Que venham os pobres da cidade! Venham os pobres do campo! Venham os indígenas! Venham os quilombolas! Venha todo o povo pobre do mundo! Unidos na luta pela terra, território e poder!"

Joelson Ferreira - V Jornada de Agroecologia da Bahia - 2017

com os velhos referenciais pulverizados aos nossos pés, precisamos de chão, rumo e iluminação.

chão para se apoiar e caminhar. rumo para se por em movimento e saber para onde ir. iluminação para clarear o caminho e inspirar a jornada.

nestes tempos atrozes, nossa travessia do vale da morte começa com nossa reconexão com a terra. nosso horizonte é para além do Capitalismo. e nossa luz brota da luta de nossos ancestrais.

como fazer o que devemos fazer, que é lutar?

nosotros dizemos a nós mesmos: organizando-nos para conquistar melhores condições de vida em nossos locais de moradia trabalho e convivência.

"A ação concreta organiza o povo mais do que os debates político-teóricos. A luta dos povos está mais perto de ti do que tua veia jugular."

Erahsto Felício, Divisão de Comunicação da Teia dos Povos

o trabalho político faz parte do cotidiano. a militância não está separada da vida. ao contrário: é um modo de viver.

numa luta concreta, por mais singela e localizada que seja, enfrentamos todas as contradições do Capitalismo.

quem muda o mundo são as pessoas. e o que muda as pessoas são as experiências de vida compartilhadas na luta coletiva para mudar o mundo.

vídeo:



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11 julho 2020

COVID-19: aos quilombos!



com Bolsonaro e o genocídio em curso, a classe dominante no Brasil está nos dizendo da forma mais brutal e cínica, escarrando em nossas faces: "Queremos que vocês morram! Vamos matar vocês! Já estamos matando vocês!".

nossa situação atual não difere daquela dos pretos sequestrados da África, transportados como mercadoria barata e descartável e apinhados nos porões dos navios negreiros.

condenados à morte através de um lento suplício cotidiano, os mortos na travessia transoceânica eram sumariamente descartados no mar.

esta é uma guerra de extermínio. a guerra de espectro total de uma minúscula parcela de humanos contra todos os demais Seres da Terra.

esta é a barbárie cujo nome é Capitalismo. a catástrofe de uma extinção em massa. a pulsão de morte de um poder destrutivo capaz de aniquilar as condições de vida no planeta.

só nos resta escapar, não se deixar capturar, fugir em direção aos quilombos. por toda parte, construir quilombos.

como muitas vezes antes já bradamos em nossa História de lutas "Às barricadas", agora também nos auto-convocamos: "Aos quilombos!".

territórios de emancipação. zonas de autonomia. terras do futuro, enraizadas no presente.

só assim sobreviveremos, lançando as sementes de um outro modo de viver.


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29 junho 2020

COVID-19: o que dizer?


resposta a um filósofo militante em sua crítica a uma liderança revolucionária.

há um genocídio em curso avançando por duas frentes: a COVID-19 e o ultra-liberalismo.

o que poderíamos dizer nosotros a todos aqueles acuados nesta desesperadora situação?

só diríamos a outrem aquilo mesmo que não paramos de repetir a nós mesmos!

somos todos nós os condenados da Terra, lançados no absoluto desamparo por uma classe dominante a todos nós odiando.

e neste desespero nenhuma ilusão deve restar: sempre foi nós por nós.

por não encaminhar qualquer proposta concreta para minimamente gerir a pandemia, omitindo-se frente a uma catástrofe desta magnitude, a burguesia brasileira torna-se "irrelevante".

como resultado há uma crise de hegemonia: a dominação só pode se impor pela coação e a violência, sem conseguir se exercer por meios ideológicos forjando consensos.

já não há nenhum "ganho" para a classe trabalhadora em submeter-se por consentimento à dominação burguesa.

cabe indagar: haveria alguma saída dentro da ordem?

porém, ao contrário do que possa parecer, a taxativa resposta de "não existir saída dentro da ordem" não é radical. está longe de ser suficientemente radical, num tempo de extremas radicalidades.

primeiro, porque a ruptura com a ordem implica também em abandonar formas de militância e de organização ainda situadas no interior dela.

como exemplo: o Militante e o Partido, compreendidos como Instituições, portanto instâncias de controle e neutralização da oposição à ordem.

depois, por não haver de fato nenhuma saída, seja dentro ou fora da ordem. a única alternativa é abrir portais de entrada para processos emancipatórios.

como viabilizar estes portais de entrada?

neste contexto de pandemia, é justamente a necessidade premente da luta pela saúde coletiva o que delineia o mapa para ser seguido.

encurralados por dois lados, a COVID-19 e o ultra-liberalismo, é também em duas frentes simultâneas que nosso movimento deve se dar.

a primeira frente é intervir na urgência desesperadora do imediato.

para isto são fundamentais as redes de solidariedade fornecendo cestas básicas, atendimento médico e todo tipo de assistência, inclusive em questões burocráticas, por exemplo, acompanhar o cadastramento para receber o auxílio emergencial.

além disto, as redes também cumprem uma função de intercâmbio de informações e experiências, colocando-se desde já como meio de articulação da 2ª frente de atuação.

sem ilusões em qualquer alternativa institucional, nos cabe construir um processo destituinte.

sendo esta a 2ª frente: a destituição de um mundo, para outros mundos poderem florescer.

e como se dá na prática um processo destituinte?

destituir não implica em atacar as instituições, e nem mesmo em criticá-las, pois o Poder Destituinte atua nos libertando de nossa dependência das instituições.

exemplo:

- destituir a medicina de mercado é nos tornarmos capazes de gerir coletivamente nossa saúde, a partir de técnicas alternativas e saberes ancestrais, conscientes de não ser possível estar saudável num meio ambiente doentio;

- destituir a indústria alimentícia­ se dá pela organização de coletivos capazes de produzir e colocar em circulação alimentação saudável;

- destituir um governo é se tornar ingovernável.

o processo destituinte se fundamenta na autonomia: auto-organização, auto-gestão, auto-suficiência e auto-defesa.

neste sentido, algum programa mínimo unificaria as lutas?

qualquer programa mínimo está muito além do máximo que a classe dominante aceitaria conceder.

e nenhuma força política institucionalizada pactuaria um programa mínimo estabelecendo um processo destituinte, por serem elas próprias parte daquilo a ser destituído - começando pelo princípio da representação.

é inútil investir tempo e energia para destruir um mundo agora desmoronando na frente de todos nós.

até mesmo porque nossos recursos tanto materiais, quanto de tempo e energia, são bastante limitados.

serão melhor utilizados na criação de outros mundos, aplicando-os diretamente em articular territórios autônomos baseados na auto-suficiência em energia, água, comida e saúde.

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