22 maio 2009

história do futuro

as grandes crises financeiras internacionais, ao provocarem rupturas estruturais na economia mundial, criaram para o Brasil oportunidades de mudança que marcam épocas históricas. [1]

assim foi no final do século 19, com a abolição da escravidão, e também na década de 30, quando se iniciou a industrialização acelerada do Brasil.

do mesmo modo, são igualmente extraordinárias as chances geradas pela atual crise global para um avanço relativo do Brasil, algo que provavelmente não ocorrerá de novo nesta ou na próxima geração. [2]

se o redesenho mundial dos mercados abre espaços, estes rapidamente serão reocupados. para o Brasil não desperdiçar o momento é preciso ter rumo e estratégia.

qual o rumo que se alinha com a oportunidade atual e ao mesmo tempo atende a demanda da história brasileira?

sob qual bandeira se reuniriam trabalhadores e desempregados, autônomos e profissionais liberais, pequenos e médios empresários e possivelmente muitos setores do grande capital?

alguma proposta formaria um arco tão amplo que abrangesse desde o MST, passando pelas Centrais Sindicais e setores progressistas da igreja, movimentos sociais e ONGs, até partidos de extrema-esquerda, o PT até algumas parcelas do PSDB e do PMDB?

qual agenda seria ao mesmo tempo de âmbito nacional mas com aplicação regional e mesmo pontual, reunindo esforços dos executivos nacional, estadual e municipal?

que perspectiva direcionaria a intelectualidade, as universidades, os centros de pesquisa e produção de conhecimento, a blogosfera e a web brasileira para convergirem como inteligência coletiva na criação de uma teoria para o Brasil do século XXI?

existiria algum objetivo tão claro e necessário que não deixasse dúvidas quanto a sua necessidade de implementação e ao mesmo tempo fosse tão mobilizador que catalisasse a paixão e os esforços do povo brasileiro?

possivelmente, a única resposta vem a ser: desenvolvimento com inclusão social!

para o Brasil seguir no rumo do desenvolvimento com inclusão social é preciso evitar que a pauta das eleições de 2010 seja capturada pelo curto-circuito da oposição binária entre lulistas e anti-lulistas, e trazer ao primeiro plano o debate sobre um projeto estratégico nacional para o Brasil do seculo XXI, dentro da perspectiva aberta pela atual crise global.

até o próprio destino parece conspirar neste sentido, ao inserir numa disputa aparentemente definida entre Dilma e Serra o fator da incerteza e as questões da complexidade.

para assumir nosso destino de grande nação, compatível com nosso território, nossos recursos naturais, nossa população e a riqueza e o vigor de nossa cultura, o Brasil necessariamente passará por um processo de amadurecimento, envolvendo o país e a sociedade, as instituições e as empresas, os partidos políticos e os movimentos sociais: todos nós e cada um de nós, coletiva e individualmente envolvidos na construção nacional.

se já não mais admite um retorno ao neoliberalismo tucano, o Brasil precisa definitivamente avançar para o pós-Lula.

não mais podemos deixar de reconhecer a contradição fundamental bloqueando o desenvolvimento brasileiro: o BC de Meirelles, que banca uma política monetária contracionista, com a Selic induzindo a apreciação cambial que nos mantém sob perene ameaça de vulnerabilidade externa.

não mais podemos nos omitir frente ao crime organizado, que se imiscuiu nos três poderes e é hoje o principal financiador da injustiça no Brasil, tão obscenamente simbolizado pelo STF de Gilmar Mendes.

não mais podemos deixar de compreender como a política econômica e o crime organizado estão intrinsecamente relacionados, posto que o livre fluxo de capitais permite ao dinheiro sujo do narcotráfico, da corrupção, das sonegações e de todo tipo de negócios ilícitos sair impune do país e retornar maquiado de “investimento estrangeiro”, para ser remunerado pela maior taxa de juros reais do mundo.

não mais podemos ignorar que a força inexpugnável mantendo Lula inatingível e com popularidade recorde vem do que Lula simboliza: a ascensão de um homem do povo e das massas populares à condição de protagonistas da política. mas que é preciso reconciliar o protagonismo simbólico com a realidade concreta de um projeto de desenvolvimento fundado na democracia com participação popular e impulsionado por maciça inclusão social.

a história do futuro se escreve agora. discursos sem visão de futuro são apenas palavras. quando se tem visão de futuro, os discursos se tornam profecias. [3] podemos fazer com que as profecias se realizem?
somos capazes de aceitar o desafio de planejar estrategicamente nosso futuro?

como nunca antes na história deste país, nossa chance enquanto povo e nação não mais está em poder das elites e sim em nossas próprias mãos. só nós mesmos podemos impedir que ela escorra por entre nossos dedos.

[1] Yoshiaki Nakano, “Remover o entulho”, 17/05/2009
[2] Paulo Rabello de Castro, “O Brasil e a crise: a ficha ainda não caiu”, 11/02/2009
[3] Antonio Vieira, “Sermão da Terceira Dominga do Advento”, “Os discursos de que não viu, são discursos. Os discursos de quem viu, são profecias.”