29 novembro 2019

América Latina e a Revolução negada: a gênese da violência na Colômbia (parte 2)


29/11/2019

"Se eu avançar, sigam-me. Se me detenho, empurrem-me. Se eu os trair, matem-me. Se me matarem, vinguem-me."
Jorge Eliécer Gaitán

as raízes da violência na Colômbia remontam ao assassinato de Gaitán, líder do Partido Liberal, candidato favorito às eleições de 1950 e assassinado em 09/04/1948.

a multidão em fúria desencadeou o Bogotazo. o presumido assassino de Gaitán foi linchado, seu cadáver arrastado pelas ruas até ser crucificado em frente ao palácio presidencial, que  foi cercado e esteve a ponto de ser tomado.

seguiu-se  o período conhecido como La Violencia, entre 1946 e 1957 estimam-se 300 mil mortos, 800 mil feridos e 1 milhão de refugiados, estabelecendo desde então o padrão para a luta de classes na Colômbia.

Gaitán chegou mesmo a prever as consequências de seu assassinato: "A oligarquia não me mata, pois sabe que se o faz, o país se arruína e as águas demorarão cinquenta anos em regressar a seu nível normal."

a execução de Gaitán é também a sentença de morte para a Revolução Democrática Burguesa na periferia latino-americana do Capitalismo.

liberais, sociais-democratas e reformistas vivem assombrados por este fantasma.

as condições específicas das formações sociais na América Latina impedem a emergência de uma burguesia nacional, condenando ao fracasso qualquer aliança supostamente pactuada com uma fração de classe sem qualquer existência concreta.

para nosotros nunca houve opção: a emancipação da América Latina se dará através de uma Guerra de Independência, tendo como perspectiva uma Revolução Popular Socialista.

ou jamais se dará... seremos sempre neo-colônias semi-escravocratas.

nos levantes atuais do Equador e Chile, qual a relevância de Bachelet e Rafael Correa? qual a participação efetiva de Evo Morales na luta contra o golpe na Bolívia? após 15 anos a Frente ampla é derrota no Uruguai, sem ter implementado qualquer mudança estrutural.

e Lula no Brasil, qual seu protagonismo desde o Golpe de 2016?

se o projeto neoliberal no Chile se estrutura sobre a exportação de cobre, e na Colômbia sob a égide do narcotráfico, no Brasil está se erguendo com base no petróleo.

como seria o Pacto de Ralito à la Brasil?

se na Colômbia foi o acordo sigiloso entre as milícias, narcotraficantes e políticos profissionais, dando luz à parapolítica e tendo como missão irrenunciável a "refundação a pátria", como seria no Brasil?

qual o projeto de Brasil em curso?

a matriz é o neoliberalismo ditatorial de Pinochet petrificado constitucionalmente: tudo privatizado (inclusive água e mar) recebendo as FFAA e os carabineros privilégios excepcionais para agirem como fiel guarda pretoriana.

o modelo atual de implementação é o estado narco-terrorista da Colômbia, cujo fundamento constitucional foi redigido em inglês nos EUA: o Plan Colombia.

atualmente a Colômbia recebe a terceira maior "ajuda militar" bancada pelos EUA, superada apenas pela destinada a Israel e Egito. o efetivo do Exército colombiano é de cerca de 500.000 homens, maior do que o brasileiro mesmo com uma população 5 vezes menor.

os colombianos podem ter o direito de viver em paz com cerca de 45% do território do país coberto por minas? com milhões de refugiados internos, quantidade só comparável ao Congo? de cada 100 sindicalistas assassinado no mundo, 51 são colombianos.

por toda parte vemos o colapso e a falência de um imperialismo decadente, sob a égide do poder dos EUA. ao invés de algum novo New Deal ou Plano Marshall, a política da terra arrasada e da selvagem expropriação.

só pela guerra sem fim é possível sustentar a hegemonia do Dólar, e só a hegemonia do Dólar pode financiar a guerra sem fim.

a linha de frente das grandes mobilizações populares sempre será a juventude. foi assim no Brasil quando inesperadamente o movimento estudantil retomou as ruas em 1977, precedendo o ressurgimento do movimento sindical em 1978.

foi assim também em Junho de 2013.

as antigas lideranças políticas brasileiras estão esgotadas e seu modelo falido. a Direita muito bem sabe disto, daí seu investimento em renovação com Kim Kataguiri, Fernando Hollyday, Tabata Amaral.

e à Esquerda, o que vemos? há algo?

deixem que os mortos enterrem seus mortos. as novas lideranças sempre são engendradas pelas novas lutas. não é o povo quem faz a Revolução, é a Revolução quem cria seu povo.

tanto Bolsonaro, Paulo Guedes e Gal. Heleno quanto uma esquerda fossilizada pelo burocratismo e fisiologismo, todos compartilham o mesmo pesadelo: o movimento autônomo das massas.

e para conjurá-lo brandem a mesma ameaça: o fechamento do regime e o banho de sangue.

mas desde sempre o sangue de nosotros segue jorrando pelas veias abertas da América Latina.


referência: "Guerra e Paz na Colômbia em perspectiva histórica"
Fábio Luis Barbosa dos Santos

vídeo: Colômbia - 2019: #21N



vídeo: Chile Insurrecto - 2019: Plaza de La Dignidad


vídeo: Bolívia - 2019: También los Muertos


vídeo: Bolívia - 2019: KaraKara

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21 novembro 2019

América Latina: a Revolução negada (parte 1)



21/11/2019


a História da Esquerda na América Latina tem sido a exasperante repetição de um mesmo padrão, invariavelmente fracassado e levando a enorme sacrifícios - principalmente para o grosso da população, os mais pobres.

uma Esquerda incapaz de superar a ilusão de uma impossível conciliação com a classe dominante, tampouco da viabilidade do vanguardismo armado dissociado do movimento de massas.

uma classe dominante inapetente e incompetente de se mover para além da cômoda condição de sócia subordinada e minoritária do Imperialismo, abdicando de qualquer autonomia e projeção de poder internacional.

a História da América Latina, a nossa História, é a de uma Revolução negada: tanto a Revolução Democrática Burguesa quanto a Revolução Popular Socialista.

Bolívia, 2009:

em 2003 uma insurreição com epicentro em El Alto bloqueou com vagões de trem o acesso a La Paz, impedindo até mesmo a passagem de tanques militares, Sánchez de Lozada acaba renunciando.

em 2005 Carlos Mesa foi obrigado a deixar a presidência por um movimento ainda mais radical do que em 2003, mas Evo Morales intercedeu para canalizar a política das ruas para via parlamentar.

em 2009, após uma feroz campanha oposicionista da Direita, finalmente é referendada a Nova Constituição Boliviana, com Evo Morales sendo reeleito com 64% dos votos e o MAS conquistando maioria de 2/3 no Senado e na Câmara, levando a Direita parlamentar (Podemos) a se dissolver.

ainda assim, mesmo nesta correlação de forças amplamente favorável, com o "empate catastrófico" de 2003 tendo evoluído para uma vitória de goleada, Evo e o MAS fizeram uma fatal inflexão à Direita, paulatinamente estreitando seus laços com o poder hacendal-patrimonialista.

agora Evo submeteu-se a sugestão do Gal. Kaliman, renunciou e está exilado no México. Kaliman por sua vez, passou à reserva e mudou-se para Miami.

Bolívia, 1952:

uma insurreição popular liderada pelos mineiros não apenas derrubou o governo, como levou à dissolução do Exército e da polícia.

embora tão "vitorioso quanto impotente", o movimento dos trabalhadores se rende a um pacto, cedendo o governo ao MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) - que acabou por se demonstrar de um nacionalismo insuficiente e muito pouco de revolucionário.

em 1956 o MNR já adota um programa de arrocho pautado pelo FMI. de capitulação em capitulação o regime agoniza, até ser substituído em 1964 por uma Ditadura Militar.

o golpe foi liderado por um oficial das Forças Aéreas, que não existiam em 1952, tendo sido constituídas pelos governos do MNR, sob orientação dos EUA.

Chile, 1973:

em junho de 1973, Allende logra debelar uma tentativa de golpe, o  “tanquetazo”, graças a resoluta e heróica postura do General Carlos Prats, então Comandante em Chefe do Exército do Chile.

entretanto, em agosto de 1973, Prats cede a pressão dos golpistas e renuncia, recomendando como substituto Pinochet. Allende aceita e nomeia seu carrasco.

na manhã de 11/09/1973, ao se ver cercado no Palácio de La Moneda sob bombardeio cerrado, Allende ainda bradava pelo socorro de Pinochet: "Onde está  Pinochet?".

Pinochet estava no comando do golpe. Prats é assassinado no exílio, em 1974.

até os dias de hoje continua vigente a Constituição de 1980, que institucionalizou o neoliberalismo e foi promulgada sob Pinochet.

Equador, 2000:

em 09/01/2000, o governo de Jamil Mahuad decreta a dolarização da economia equatoriana, seguida de imediata macrodesvalorização, cujo impacto reduz o salário mínimo a US$ 4 e provoca 30% de queda da renda nacional em termos nominais.

uma imensa revolta popular leva a queda de Jamil Mahuad poucos dias depois (21/01/2000).

entretanto, o comandante da FFAA equatorianas trai o compromisso assumido com as lideranças populares. o governo é entregue ao Vice-Presidente e a dolarização se manteve até hoje intocada - inclusive pelo "progressista" Rafael Correa.

nas eleições de 2002 o movimento popular apoia o Coronel Lucio Gutiérrez, liderança militar surgida no levante de 2000.

Gutiérrez é eleito. tão logo toma posse trai o movimento popular e ratifica a dolarização, o austericídio e o alinhamento com os EUA.

Peru, 1990:

no final dos anos 1980, para a Esquerda peruana pareciam abertas as grande alamedas rumo a uma sociedade livre, visto o APRA social-democrata estar no governo tendo como maior força de oposição a Izquierda Unida, então franca favorita à sucessão.

na área rural, o vanguardismo armado da seita terrorista Sendero Luminoso regava a Revolução não só com o sangue dos camponeses, inclusive também pelo assassinato de lideranças políticas de Esquerda - entre as quais Maria Elena Moyano, exemplarmente dinamitada na frente de seus filhos.

pouco antes das Eleições de 1990, o grupo de Alfonso Barrantes racha a unidade da Iquirda Unida, em nome de conquistar o eleitor mais moderado.

Barrantes alcança apenas 5% dos votos. pela Izquierda Unida, Henry Pease não vai além dos 8%. com 22,5%. o candidato do APRA (Luis Alva Castro) perde a vaga no 2° turno para Vargas Llosa (32,6%) e Fujimori (29%).

Fujimori se elege no 2° turno como candidato anti-sistema, impulsionado pela palavra de
ordem: "Vote não ao choque!'' - contrapondo-se à proposta do liberal Vargas Llosa.

mas Fujimori era apenas contra o choque alheio, e logo tratou de impor o seu: o FujiShock, aplicando um ultra-liberalismo viabilizado através do terrorismo de Estado, imposto pelo auto-golpe de 1992.

o Peru ainda não se libertou da maldição a que foi condenado pelo duplo fracasso da Esquerda, seja pela via conciliatória - em suas duas versões, tanto do APRA quanto da Izquierda Unida - como do vanguardismo armado do Sendero Luminoso.

Colômbia, anos 1980:

em 1984 na Colômbia foram assinados os Acordos de La Uribe, ratificados pelas FARC consistiam num cessar-fogo bilateral em busca de uma saída política para a insurgência armada, incorporando-a à política institucional.

neste contexto de conciliação, surge em 1985 a UP (Unión Patriótica), uma frente de Esquerda que logo nas eleições de 1986 desponta como a terceira força política do país.

mas então as narco-milícias já dominavam a Colômbia, tendo como principal líder paramilitar Carlos Castaño, treinado em Israel, e assessorado por Yari Klein, mercenário israelense.

Castaño em sua autobiografia relata ter aplicado na região de Magdalena Medio, foco da insurgência, lições aprendidas no Líbano, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
entre 1988 e 1995, contabilizaram-se 6.177 assassinatos políticos e 10.556 assassinatos com motivações presumidamente políticas.

os mortos incluem quase todos os políticos eleitos pela UP, entre senadores, deputados,prefeitos e vereadores - além de dois candidatos à presidência.

na campanha presidencial de 1990, foram assassinados dois outros candidatos com inclinação progressista: Luis Carlos Galán, líder do novo liberalismo, e Carlos Pizarro, pelo M-19 - guerrilha que entregara as armas um mês e meio antes.

Argentina:

em dezembro de 2001, num contexto de greves e saques, com o movimento de massas ocupando as ruas sob a palavra de ordem "que se vayan todos", Fernando de la Rúa decreta estado de sítio, mas é obrigado a fugir do palácio presidencial de helicóptero.

na semana seguinte, mais 4 presidentes se vão...

os cabildos (assembléias populares) com participação massiva se multiplicavam por toda a parte, não apenas para discussão como principalmente encaminhando ações concretas: no bojo do Argentinazo emergia o Poder Popular.

o peronista Eduardo Duhalde (ex vice de Carlos Menen) assume um mandato tampão, período no qual é decretada a moratória da dívida e o fim da convertibilidade - na prática o fim da dolarização.

com a desvalorização do peso e a disponibilização de recursos anteriormente comprometidos com o serviço da dívida, alavanca-se o crescimento econômico e a distribuição de 2 milhões de Plan Jefes de Hogar Desocupados - programa compensatório da pobreza e desemprego.

apoiado por Duhalde, o até então pouco conhecido Néstor Kirchner se elege em 2003, com apenas 22% dos votos - sua votação no 1º turno, vencido por Carlos Menem que abre mão de prosseguir na disputa.

os governos Kirchner, de Néstor e Cristina, entre 2003 e 2015, se inscrevem no projeto peronista de consolidação de uma "burguesia nacional" para levar a cabo a Revolução Democrática.

mais uma vez o peronismo, reciclado como kirchnerismo, interviu para canalizar a revolta das ruas na esterilizante via institucional/parlamentar, operando pela conciliação de classes em nome do reformismo burguês.

muito embora medidas concretas, embates genuínos e melhora das condições de vida da população (ainda que deva ser relativizada tendo em vista seu referencial comparativo com a pior crise já enfrentada pelo país) os governos Kirchner nunca ultrapassaram o limite de mínimo denominador comum entre a fúria das massas populares e as exigências da ordem burguesa.

ao mesmo tempo que bloquearam o avanço da Revolução Popular Socialista foram incapazes de concretizar a Revolução Democrática Burguesa.

o motor da economia argentina seguiu sendo a exportação primária, com o agronegócio ocupando cerca de 2/3 do total de solos cultiváveis, dos quais 90% dedicados ao plantio de soja transgênica, correspondendo a 1/3 das exportações do país.

referência: "uma história da onda progressista sul-americana (1998/2016)"
Fábio Luis Barbosa dos Santos
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