25/05/2016
“Nenhum
de nós nasceu aqui. Todos fomos um dia de um lugar ou de outro. Todos nós
cometemos brecha um dia.[...] Sim, vivo no interstício, mas vivo ao mesmo tempo
na cidade e na cidade.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville
nos vemos separados
do meio-ambiente, não nos consideramos uma biosfera conectada a todas as
demais. por isto a quase totalidade dos estudos da mudança ambiental abordam
apenas seus impactos externos: estiagem em alguns lugares com chuva torrencial
em outros; frio glacial em alguns lugares e calor mortal em outros; furacões e
tornados, terremotos e atividade vulcânica; aumento do nível do mar com
desaparecimento de nascentes e rios morrendo.
mas o maior impacto
da mudança climática será interno. será no funcionamento de nossos corpos que
sentiremos com maior intensidade as mudanças globais no clima. isto já está
acontecendo e sendo diagnosticado como “doença”:
pressão e dor na
cabeça e na nuca; zumbidos e pressão no ouvido; nariz entupido e dores no septo
e na testa; náuseas e diarréias; tonteiras e fadiga súbita; suores noturnos;
todo tipo de distúrbio do sono: sono picado, acordar de madrugada, por volta
das 3:00 h e perder completamente o sono, deitar cansado e pegar rápido no
sono, mas pouco tempo depois despertar sem nenhuma vontade de dormir; uréia e
glicose ligeiramente acima do limite; problemas renais e no ciático; dores nos
ossos longos e chatos.
um hemograma mais
simples ou uma dosagem hormonal complexa se baseiam em faixas obtidas por
estatística. o resultado fora destas faixas indica uma tendência a se
desenvolver processos patológicos. entretanto, assim como a água ferve a 100º C
apenas nas CNTP, as faixas estatísticas utilizadas nos exames não são válidas
sob novas condições ambientais. assim, como distinguir uma tendência à
patologia, sob os parâmetros anteriores, do que já pode ser um processo de
adaptação as novas condições climáticas? quais seriam as faixas de
“normalidade” para as novas condições climáticas?
a mudança não será
nos Parlamentos, nos Governos e nos Tribunais de Justiça; a mudança não será
detectada pelas pesquisas de popularidade; não será na macroeconomia, tampouco
nos partidos políticos tradicionais; a mudança não será divulgada pela mídia
convencional; também os grupos de discussão na web nada terão a dizer sobre
ela.
a mudança já está
acontecendo. e a estamos sentindo como sintomas em nossos corpos. a mudança
será um novo jeito de viver. porque do jeito que temos vivido será impossível
sobreviver.
se a crise de 1929
só foi superada pela gigantesca destruição criativa provocada pela II Guerra. a
crise de 2008 já não pode ser resolvida por uma reciclagem das forças
produtivas através de conflitos bélicos globais. desembocaria na utilização de
armas de destruição em massa. a porta de saída tradicional do capitalismo para
as crises se fechou.
tanto aqui como em
toda parte o sistema está em colapso. o que é agravado por uma inédita e
reveladora crise climática: o capitalismo cruzou um limite perigoso, ameaçando
a sobrevivência da própria sociedade.
a humanidade agora
afeta cada aspecto da Terra em uma escala semelhante à das grandes forças da
natureza. todos os ecossistemas do planeta carregam as marcas da presença
humana. entramos em uma nova era geológica: o Antropoceno.
todos nós que hoje
habitamos o planeta Terra vivemos os horrores de uma guerra de mundos. a
maioria de nós não sente e não vê, entorpecidos por esta guerra que se apodera
de nossos corpos para recolonizar nossos corações e mentes. somos os habitantes
da barbárie. vivemos o tempo do fim.
de um lado estão o
Homem, a Razão, a Ciência: os que se ergueram vitoriosos com as luzes do
Renascimento apenas para mergulharem o planeta numa escala nunca antes experimentada
de destruição e desigualdade. tudo e todos foram reduzidos ao valor de
matéria-prima pela vã pretensão de manter indefinidamente girando os moinhos
satânicos do capitalismo.
do outro lado, na
resistência contra a barbárie já instalada, há um povo. toda uma população que
agora se levanta contra o aniquilamento generalizado: os seres da Terra. uma
aliança entre humanos e não-humanos pautada não por leis, contratos ou
instituições, mas pela urgente consciência da luta comum pela sobrevivência.
por isto lutamos:
por um novo modo de viver. a maior das catástrofes contemporâneas é esta
insidiosa guerra de mundos em curso: os “Humanos” contra os seres da Terra.
uma nova mudança em
breve vai acontecer. um inexorável desaparecer, como, na orla do mar, o desvanescer
de um rosto de areia: o ocaso do Humanismo e do Racionalismo. os sonhos da
Razão geraram monstros: o Capitalismo, Antropoceno, o Antropozóico.
do mesmo modo que o
Heliocentrismo, o Antropocentrismo já não nos serve mais. nunca mais. o que se
faz? precisamos todos rejuvenescer. o passado nunca mais. pé na estrada. like a
rolling stone, she’s leaving home.
com seu rosto
voltado para o passado, o anjo da História é impelido para o futuro, ao qual
ele vira as costas arrasando tudo em sua cega passagem, enquanto estarrecido
contempla as ruínas que se amontoam em direção ao céu...
adeus ao Homem. bem
vindos à intrusão de Gaia.
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