31 julho 2007

ai! que cansaço...

tudo vai num descalabro sem comedimento, estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes!

por isso e para eterna lembrança destes paulistas, que são a única gente útil do país, e por isso chamados de Locomotivas, nos demos ao trabalho de metrificarmos um dístico, em que se encerram os segredos de tanta desgraça: [1]

“cansei...”

com as forças exauridas, por insistir em negar uma conjuntura política que lhes assombra como o seu pior pesadelo, as oposições conservadoras convulsionam-se em seus derradeiros suspiros.

OAB-SP, FEBRABAN , FIESP, Associação Comercial de São Paulo...
João Dória Jr., Luiz D'Urso, Paulo Zottolo...
milagres do Brasil são.
mas que importa o branco cueiro, se o cu é tão denegrido! [2]

São Paulo, São Paulo, por que tanto tropeças na pedra de tropeço? [3]

os que tão cansados estão, são também os que mais deveriam estar aplaudindo. foram os que mais ganharam dinheiro neste governo. basta ver quanto ganharam os banqueiros, empresários. [4] foram R$ 43,7 bilhões de superávit, um crescimento de 13,5% no primeiro semestre de 2007. no outro lado, o dos investimentos, só 10% do programado foi realizado. [5]

para o desespero das oposições conservadoras, a força de Lula advém de que não há mais retrocesso para o Brasil. as massas populares serão o protagonista de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo.

Lula, por sua vez, em sua ânsia de ser aceito pelas elites, recusa-se a aceitar a mais básica das lições, que a cada crise de seu governo lhe é cuspida na face.

pouco importa seus ternos exclusivos, sua renovada arcada dental, seus charutos e seus vinhos, seu botox e seu aero-Lula, seus 53 milhões de votos e sua reeleição consagradora.

para as elites, pouca importa Lula ser o Presidente da República, porque sempre será aquilo que nunca deixou de ser: um "baiano", um "paraíba". apedeuta. incompetente. analfabeto. leniente. inapetente. ignorante. vagabundo. um trabalhador brasileiro. [6]

Lula, um trabalhador brasileiro. um representante das massas populares que serão o protagonista de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo.

ainda mais uma vez é o anti-lulismo que reabilita e fortalece o lulismo. um paradoxo paralisando o país. um impasse que mantém o Brasil imobilizado no meio de uma travessia, sem que possa retornar e interditado seu avanço.

é possível se captar a silenciosa movimentação social que marca o inicio de novos tempos? qual o exato início da mudança? quando não há mais caminho de volta ao passado? e também não há como voltar-se para o futuro?



[1] Mário de Andrade. “Macunaíma”
[2] Gregório de Matos
[3] Romanos 9:32
[4] Lula, 31/07/2007
[5] blog do Zé Dirceu

[6] arkx, “a lição da chibata”

18 julho 2007

a origem da tragédia

  • "A informação que temos é que o avião pousou, e não caiu".
  • Vice-presidente de planejamento da TAM,
    declaração às 19:30h.
    O
    acidente ocorreu às 18:50h.


    a maior tragédia ainda não aconteceu.

    temos sido um país de tragédias discretas e desgraças silenciosas.

    aceitamos como inevitável a crônica tragédia dos juros e do câmbio, responsável por uma transferência de riqueza ainda mais brutal que a tragédia da inflação.

    tornou-se natural a tragédia continuada da concentração de renda, fazendo com que 0,7% da população possua fortuna estimada em cerca de metade do PIB, numa trágica herança dos tempos da escravidão.

    acompanhamos com enfado e deboche a tragédia da representação política, como se fosse cômico...

    uma das tragédias mais recentes é a obstinação na defesa irracional do governo Lula, que além de ter arrastado a esquerda brasileira para a pior crise de sua história, mergulha o país inteiro num buraco negro de cinismo, hipocrisia e total falta de perspectivas.

    são nossas tragédias do dia a dia. por maior que sejam suas dimensões, são ainda pequenas tragédias.

    se algumas utopias são verdades prematuras, até mesmo a mais óbvia e ululante verdade parece inexplicável para quem insiste em enxergar a realidade unicamente a partir de suas próprias premissas.

    a maior tragédia é a de se negar a grande tragédia que se anuncia. uma tragédia que se antevê a partir do desdobramento lógico dos fatos em curso.

    as portas para o futuro estão se fechando. estamos nos colocando, nós brasileiros, num rumo de muitas tragédias, de muito sofrimento. individual e, principalmente, coletivo.

    estamos assistindo ao desmoronamento de um modelo. como toda queda, será explosiva. haverá chamas. não serão poucos os mortos e feridos.

    não vai acontecer de uma vez, se arrastará ao longo da agonizante travessia do segundo mandato de Lula.

    o Brasil está condenado à civilização. ou progredimos, ou desapareceremos.

    13 julho 2007

    as multidões dos estádios

    cidades sem povo são cidades sem alma. em Brasília a política se faz através das intrigas palacianas, dos conchavos de corredor e dos discursos inflamados para um plenário vazio.

    as vaias a Lula num Maracanã lotado têm significado político claro e implacável: não se faz política sem povo.

    nas ruas e no encontro com as multidões, a popularidade das pesquisas de opinião pública se desmancha no ar.

    como decifrar o enigma de um presidente com mais de 60% de popularidade ser olimpicamente vaiado onde obteve 70% dos votos nas últimas eleições?

    Lula é um interregno. um entreato.

    para o desespero das oposições conservadoras, a força de Lula advém de que não há mais retrocesso para o Brasil. as massas populares serão o protagonista de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo.[1]

    eleito por duas vezes em nome da mudança, Lula se tornou o último bastião do continuísmo. como uma metáfora encarnada do processo histórico brasileiro, no qual, muito embora imposta como necessária pelo próprio desenvolvimento da sociedade, a mudança é sempre adiada ao máximo, e, ao se tornar inevitável, é antecipada, para que, no transigir, se possa limitá-la.

    com o Brasil imobilizado no meio de uma travessia, sem que possa retornar e interditado seu avanço, a desolação do cenário político provoca indignação e desalento. mesmo que nada se ouça, além do silêncio, ainda assim é possível sentir um grito infinito atravessando a paisagem.

    um grito silencioso parado no ar, que, por vezes, explode numa vaia vinda do fundo da alma.


    [1] Luis Nassif, “Os cabeças de planilhas”

    10 julho 2007

    à bala

    guerra e política se entrelaçam, sendo uma a continuação da outra, ainda que sob formas distintas e através de outros meios.


    como conduzir o combate político?

    o direito à liberdade de expressão é o direito daqueles com os quais não concordamos? como lidar com o contraditório e qual o limite da tolerância? até que ponto a opção pela não-agressão apenas dissimula covardia e redunda em omissão e conivência?

    teríamos de eliminar a balas um infinito de seres medíocres? [1] essas amebas, seres rastejantes, totalmente descerebrados, que melhor seriam se tivessem nascidos ratos, pelo menos teríamos o direito de exterminá-los, sem dó nem piedade, pois é o que merecem, já que para nada servem... [2]

    fazer-se invencível significa conhecer-se a si mesmo; descobrir a vulnerabilidade do adversário significa conhecer os demais. a invencibilidade está em si mesmo, a vulnerabilidade no adversário. [3]

    onde está o inimigo? quem é o outro? quais são suas idéias?

    é no exame de cada um de nós, nos mais recônditos segredos dissimulados em cada um de nossos próprios pensamentos, que podemos encontrar o outro. somos o nosso próprio inferno.

    as idéias que dominam em nossa mente são aquelas mesmas idéias que dominam em cada época: as idéias da classe dominante daquela época.

    “nós” e “eles”, “direita” e “esquerda”, “progressistas” e “reacionários” não diferem tanto no que tange aos mecanismos de poder, à busca por supremacia, a obsessão pelo controle, à imposição de liderança, ao centralismo “democrático”, à vontade soberana da maioria, a repulsa pela autonomia e ao culto à hierarquia. toda uma série de perversões destinadas a submeter e disciplinar os indivíduos, para que seus corpos sejam dóceis e úteis.

    todos elogiam uma vitória ganha em batalha, porém essa vitória não é realmente tão boa. armas são instrumentos de mau augúrio. nunca se viu nenhum especialista na arte da guerra que as utilizasse por muito tempo. verdadeiramente desejável é poder ver o mundo do sutil e dar-se conta do mundo do oculto, até o ponto de ser capaz de alcançar a vitória onde não mais exista forma. em conseqüência, um guerreiro vitorioso ganha primeiro e inicia a batalha depois; enquanto um derrotado primeiro inicia a batalha para só depois tentar obter a vitória. [4]

    a política não é a arte do possível. é a capacidade de tornar o impossível uma das possibilidades.

    a vitória completa não se obtém com a aniquilação total do inimigo. a vitória completa se produz quando não há luta. o inimigo é vencido pelo emprego da estratégia. ao se criar uma perspectiva mais ampla, a qual, por também englobar o inimigo, conduz obrigatoriamente ao trabalho em conjunto.





    [1] comentário no blog do Luis Nassif
    [2] comentário no blog do Reinaldo Azevedo
    [3] Sun Tzu, “A arte da guerra”
    [4] Sun Tzu, “A arte da guerra”

    05 julho 2007


    Brasil favela

    para sempre se foi o tempo romântico do Rio quatro vezes favelas. agora no berço do samba proliferam os falcões do tráfico. as vozes que vem do morro são estampidos de armas automáticas.

    ainda há salvação para as favelas?

    mega complexos de construções desconexas de alvenaria erguidas umas sobre as lajes das outras, como labirintos de labirintos. múltiplos andares de favelas, empilhados sobre os escombros daquilo que deveria ter sido uma cidade e um país. um território posto à parte do controle do Estado. uma terra de ninguém para que o Chefe do Morro possa reinar. onde prospera o melhor negócio do Brasil.

    um negócio imune à desestruturação de nossa infra-estrutura produtiva. capaz de reconciliar grandeza de escala com descentralização de operações, conforme as práticas empresariais mais avançadas. e combinar o autofinanciamento típico das antigas estratégias nacionais de produção com a aceleração de prazos e com a flexibilidade de métodos que marcam os empreendimentos internacionalizados de última geração. transforma desespero em prazer, prazer em dinheiro, dinheiro em força. o melhor negócio no Brasil. o narcotráfico. [1]

    entretanto, não há plantação de maconha nas favelas. ou de cocaína. tampouco instalações de refino. muito menos fábricas de armas. a verdadeira favela não está na favela. assim como os verdadeiros imperadores do tráfico lá também não estão. a polícia pode executar tantos e quantos traficantes nas favelas. sempre surgirão mais e mais. ou mesmo bombardear a favela com napalm. inútil. novas favelas se multiplicarão em seu lugar.

    o segredo do poder do narcotráfico é sua dupla sustentação em pólos inversos da pirâmide social: as favelas e o sistema financeiro.

    o território sem lei das favelas é imprescindível na rede do tráfico. fora do alcance do Estado, os territórios das favelas são as bases a partir da quais a rede começa a se capilarizar, ramificando-se por todo o tecido social. as favelas não são pontos de venda no varejo, funcionam como as grandes centrais de abastecimento.

    é esta estratégia de negócio que obriga os traficantes a se armarem. as armas pesadas do tráfico não são utilizadas, prioritariamente, para ações criminosas fora das favelas. e muito menos servem para o enfrentamento com a polícia, com a qual sempre é preferível um "pacto de não agressão" (ou além). o armamento tem como objetivo a manutenção e conquista de território. proteger-se de incursões de facções rivais e dominar outras bases de atuação.

    para se legalizar, os lucros astronômicos do narcotráfico passam pelo mesmo circuito do capital financeiro especulativo, beneficiando-se do livre fluxo de capitais em vigor na economia brasileira. são remetidos ao exterior através das contas CC5 e retornam por um fundo offshore, sob o manto de capital estrangeiro.

    a maneira mais eficaz de estrangular o crime organizado é cercear suas atividades financeiras de duas maneiras: impedindo a circulação de dinheiro e coibindo as atividades que, de alguma forma, possam estar ligadas ao crime organizado. [2] é preciso tratar penalmente a lavagem de dinheiro com os mesmos instrumentos jurídicos de crimes como o tráfico, mesmo que os crimes correlatos (os que geraram os fundos iniciais) estejam sujeitos a penas pequenas. [3] na medida que o BC amplia enormemente as facilidades para a remessa de dinheiro para o exterior, pratica-se lavagem de dinheiro a céu aberto. pelos dutos que passa o dinheiro frio, passa também o dinheiro de origem criminosa. [4]

    a explosão dos mega complexos de favelas é a contrapartida de uma modernização conservadora do latifúndio brasileiro, sob a forma do agronegócio, através de uma selvagem industrialização do campo, que expropriou os moradores das áreas rurais, criando-se um vasto exército industrial de reserva, miserável e favelado. [5]

    o caminho para desenvolvimento trilhado pelos atuais países industrializados - de um passado rural e agrícola, para um urbano e industrial - não pode mais ser reproduzido. o contexto histórico se alterou irreversivelmente. o binômio indústria/urbanização foi tributário da existência de colônias, das migrações em larga escala e das guerras mundiais. além disto, hoje as indústrias empregam cada vez menos. [6]

    não há saída para as cidades brasileiras sem uma ampla erradicação das favelas. não há rumo para o crescimento economicamente sustentado que não seja através da inclusão social e de um novo ciclo de desenvolvimento rural.

    o Brasil necessita de uma economia de guerra.

    a chave para destravar o desenvolvimento está nas massas do trabalho informal. são os marginalizados das cidades e das áreas rurais, os bóias-frias e os favelados, que, ao serem incorporadas à economia formal de modo organizado e estratégico, trarão consigo o crescimento.

    é na inclusão maciça da periferia das grandes metrópoles brasileiras, implicando na construção de bairros inteiros, escolas, centros de saúde e de capacitação profissional, creches, postos policiais e áreas de lazer, acompanhada da implantação de um modelo agrícola baseado em pequenas unidades produção, mas com uso intensivo de alta tecnologia, é desta economia de guerra, com suas inevitáveis imposições de inovações e criatividade de soluções, que virá o desenvolvimento do Brasil.

    nenhum outro país do mundo reúne como o Brasil condições tão favoráveis à criação gradual de uma nova civilização baseada na exploração sistemática do trinômio biodiversidade-biomassas-biotecnologias, estas últimas aplicadas nas duas pontas para aumentar a podutividade das biomassas e abrir o leque dos produtos dela derivados. [7]



    [1] Roberto Mangabeira Unger, "Qual o melhor negócio do Brasil?"
    [2] Luis Nassif, "O crime organizado e os bancos", 17/05/2006
    [3] Luis Nassif, "Um dia de cão", 16/05/2006
    [4] Luis Nassif, "O crime organizado e os bancos", 17/05/2006
    [5] Wladimir Pomar, "A nova estirpe burguesa"
    [6] Ignacy Sachs, "A revolução energética do século XXI "
    [7] Ignacy Sachs, "Inclusão social pelo trabalho decente"

    04 julho 2007

    novos impasses de uma antiga direita

    as duas vitórias consecutivas de Lula da Silva provocaram danos irreparáveis em ambos os sentidos do espectro ideológico da política brasileira. esquerda e direita já não serão as mesmas. para o bem e para o mal...

    quando o filho do povo Lula I, eleito em nome da esperança de mudança, subiu o Planalto apenas para inaugurar a era Palocci, um estelionato eleitoral como nunca antes se dera na história deste país, a esquerda silenciou. afinal, era o "nosso" governo. não importa que o "nosso" governo tenha uma prática contrária aos "nossos" interesses, ainda assim é o "nosso" governo e cabe a "nós" defendê-lo a todo custo até o último instante.

    em vez de tomar a iniciativa de formular uma crítica consistente ao governo Lula, a quase totalidade da esquerda se empenhou na tentativa de legitimá-lo, entregando-se às mais delirantes teorias esquizofrênicas.

    a manutenção da política econômica derrotada nas urnas era apenas uma inevitável opção tática, por ser impossível dar um cavalo-de–pau no Titanic da economia. ao chegar o devido tempo, um muito bem oculto plano "B" seria implementado. além disto, uma bem sucedida superação do transe da transição dependeria da correlação interna de forças de um governo em disputa. a suposta cautela também se justificava, por não se tratar de uma tomada de poder, apenas se vencera uma eleição presidencial.

    o que restava desta farsa se converteu em tragédia, quando, em agosto de 2005, o publicitário Duda Mendonça confessou ter recebido de caixa dois no exterior pela campanha presidencial de 2002. então, Lula desceu a mais baixa taxa de aprovação a seu governo (28%), com a mais alta reprovação (29%). a cúpula do PT desmoronou, deputados do partido choravam descontrolados no plenário e ministros sugeriam a Lula renunciar. foi também então que PFL (atual DEM) e PSDB optaram por fazer o Presidente sangrar até as eleições de 2006.

    a origem de Lula II deve ser buscada em erros estratégicos da oposição conservadora.

    em janeiro de 2006, Serra tinha o dobro das intenções de votos de Alckmin. apesar disto, o tucanato, sempre tão cheio de pavões, começou a exibir papagaios aos montes, galinhas-d’angola, pardais, periquitos, uma vasta algaravia ornitológica. então, com raro senso de ousadia, o PSDB decidiu abrir mão de quem tem o dobro para escolher quem tem a metade. convenha-se: é preciso bastante "coragem" para fazer tal opção. o que mais impressiona é que o PT não precisou mover uma palha para que o PSDB entrasse em transe. ele fez isso absolutamente sozinho. [1]

    quando já não se podia mais negar que Lula não só fraudara a vontade dos brasileiros, ao radicalizar o projeto que foi eleito para substituir, ameaçando a democracia com o veneno do cinismo, como comandara, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro, sendo assim obrigação do Congresso Nacional declarar o impedimento do presidente, também ficou claro que a oposição praticada pelo PSDB é impostura. acumpliciados nos mesmos crimes e aderentes ao mesmo projeto, o PT e o PSDB são hoje as duas cabeças do mesmo monstro que sufoca o Brasil. as duas cabeças precisam ser esmagadas juntas. [2]

    se o repúdio de parcela bastante minoritária da esquerda em relação ao governo Lula foi politicamente canalizado com a criação do P-SOL, o mesmo não ocorreu com a sua contraparte da direita.

    o anunciado fracasso da alckimia de um candidato a presidente com perfil de gestor não-ideológico só acrescentou frustração a estas parcelas da direita.

    a reeleição de Lula, lastreado apenas na própria imagem e popularidade e impondo derrota arrasadora ao poderoso arco de forças conservadoras que enfrentou, deixou como última opção uma virada de mesa institucional, o recurso desesperado ao terceiro turno. fogo que não se apaga, consome-se por si mesmo. a tática das denúncias gira no vazio. numa confirmação de que certas armas são instrumentos de má sorte. empregá-las por muito tempo é trazer infortúnios para si próprio.

    a sucessão de revezes conduz a direita indignada ao impasse. sem identificação partidária, incapaz de expressão no movimento social, nenhum horizonte histórico para o "golpe redentor"...

    num impensável encontro de paralelas, segmentos da esquerda e da direita, órfãos de um impeachment que não houve e reféns do mesmo sentimento de traição de suas lideranças, convergem na constatação de que a política tradicional se tornou irrelevante.

    enquanto a maior parte da esquerda recuou, se apaziguou e se apadrinhou nos corredores do poder, a direita indignada avançou. deu as caras. a maioria silenciosa se exprime pela web. fazendo dos blogs o seu partido político e dos fóruns de discussão seu parlamento, floresce uma neo-direita. sem envergonhar-se de seu conservadorismo, exibe orgulhosa sua face. o novo impasse faz com que o antigo obscurantismo se manifeste às claras. vindo à luz, corre o risco de se iluminar.

    para uma esquerda que perdeu seu rumo, sua identidade e se prostrou a serviço de um governo que traiu 23 anos de lutas populares não há mais dignidade, nem mesmo no desprezo. ela é hoje o verdadeiro ninho no qual vem se alojar o ovo da serpente.



    [1] Reinaldo Azevedo, em 40 textos defendendo a candidatura de Serra à Presidência, 2006

    [2] Roberto Mangabeira Unger, “Pôr fim ao governo Lula”

    03 julho 2007

    excesso insuficiente

    "Foi aqui, na Scania, nesse pátio, que nós começamos a conquistar a democratização do nosso país. Era um tempo em que eu dizia que era socialista. Mas aí eu fui presidente de um país capitalista, um país capitalista sem capital."

    Lula
    02/07/2007

    embora seja visto como padecendo de insuficiência crônica e incurável de recursos, o Brasil tem sido um país de oferta necessariamente abundante de capitais.
    [1]

    apesar deste enigma da esfinge brasileira já ter sido decifrado em 1963, por Ignácio Rangel, ainda prospera um estado de confortável e conveniente ignorância em relação à questão.

    devido a sua altamente concentrada estrutura de distribuição de renda, o Brasil é um país de baixíssima propensão a consumir. para quem não erga o "véu monetário", entretanto, este fato se mostra deformado e mascarado, de tal forma que uma demanda insuficiente aparece como excessiva. um país sufocado ao peso de sua própria capacidade produtiva ociosa apresenta-se como se tudo lhe faltasse. [2]


    foi também Ignácio Rangel quem anteviu para o Brasil um novo estágio de desenvolvimento, não mais comandado pelo capital industrial, e sim pelo capital financeiro. ousou defender que, para a soberania nacional, a estruturação de um mercado interno de capitais era então da mesma importância estratégica quanto fora no passado a criação de nosso parque industrial. o mercado de capitais se converteria na fonte principal de financiamento da economia, tendo como prioritária destinação dos recursos a criação e expansão dos grandes serviços de utilidade pública.

    hoje, a indústria de fundos de investimentos no Brasil, com patrimônio líquido atual superior a R$ 1 trilhão, é mais desenvolvida, mais sofisticada, mais competitiva e maior como proporção do PIB se comparada a qualquer outro país emergente. [3]

    bastaria uma redução na oferta dos títulos públicos - por conta da diminuição da dívida interna - para disponibilizar uma dinheirama no mercado, para financiar o desenvolvimento. os gestores terão que buscar ativos com rentabilidade para substituir títulos públicos. é erro pensar que o sistema bancário é quem irá prover recursos para financiar empresas e consumo. o funding será dado pelos fundos, financiando a produção por meio de debêntures e o consumo por meio de instrumentos como os Fundos de Direitos Creditórios, pelos quais as empresas antecipam receitas futuras contratadas. [4]

    este cenário promissor é, evidentemente, incompatível com a atual taxa básica de juros. não há incentivo em se investir em atividade produtiva, gerando empregos, renda e aumentando a propensão ao consumo, enquanto a taxa básica do BC regular a disponibilidade de recursos bancários para empréstimos e também remunerar a maior parte da dívida pública. os títulos públicos, qualquer que seja seu prazo nominal de vencimento, têm liquidez diária garantida pelo governo. além disto, a taxa básica por um dia é maior que as taxas de juros de médio e longo prazo. o resultado é um ativo financeiro que rende juros e nunca fica indisponibilizado. esta anomalia proporciona uma rentabilidade diária alta, segura e sem os embaraços de ter que contratar e pagar salário a trabalhadores, sem as complicações com o Fisco, sem taxas e impostos, sem ter que cumprir regras ambientais, sem obrigações sociais. um capitalismo sem risco e que dispensa a produção. [5]



    [1] Ignácio Rangel, "A inflação brasileira"
    [2] Ignácio Rangel, "A inflação brasileira"
    [3] Nélson Rocha Augusto, Folha de São Paulo , 02/07/2007
    [4] Luis Nassif, "Fundos e investimento", 14/08/2003
    [5] José Carlos de Assis

    02 julho 2007

    c'est moi

    no vácuo político brasileiro tudo parece se desmanchar no ar. como retomar a construção nacional interrompida? ainda faz sentido existir algum Brasil?

    quem é o Brasil? o que quer o Brasil?

    como Madame Bovary estamos condenados a uma vida medíocre e provinciana de um Estado periférico? nossas aspirações de grandeza e desenvolvimento não passam de sonhos românticos?

    desejamos um destino para o qual nos faltam condições objetivas? o que precisamos para mudar de vida? nos bastam nossos próprios recursos? a mesma realidade que nos oprime também nos mostra o caminho de saída?

    na ânsia de viver nossos sonhos, apenas nos frustramos com o desânimo e a decadência.

    pode ser que tenhamos perdido definitivamente o bonde da história, fadados a um inexorável processo de favelização, com perda da unidade nacional, e mesmo territorial.

    um país a serviço do tráfico. drogas, armas, órgãos, pessoas... um arquipélago desordenado de minúsculos guetos de luxo, protegidos por segurança privada e cercados de imensas áreas populares controladas por milícias.

    a cada vez que o processo histórico desemboca numa crise, impondo a necessidade de mudanças, se restabelece no Brasil um acordo de cúpula, pactuado pelas elites, e a mudança se reduz a um rearranjo que tudo muda para que nada fique diferente.

    desta vez não há mais âncoras institucionais disponíveis. o país vaga ao sabor dos escombros.

    países também se suicidam?

    haverá outro caminho para o Brasil? ou permaneceremos reféns do carisma e popularidade de Lula...

    é possível se captar a silenciosa movimentação social que marca o inicio de novos tempos? qual o exato início da mudança? o momento em que os velhos personagens se debatem ao serem todos tragados pela escuridão...

    quem é o Brasil? o que quer o Brasil?

    o Brasil somos nós. o que nós queremos.

    talvez a época dos lobos e dos chacais esteja chegando ao fim. e nossa exasperante tradição de mudanças lentas, seguras e graduais se aproxime vertiginosamente do ponto de ruptura.

    na década de 80 o futuro era dominar o conhecimento do que seria conhecido posteriormente como Tecnologia da Informação.

    hoje, o futuro está em descobrir como estabelecer relação cooperativa com o meio-ambiente, para gerar desenvolvimento sustentável e includente. quem dominar este conhecimento estará na liderança mundial nas próximas décadas.

    estamos destinados a ser a primeira biocivilização da história?