“Só o lixo é uma exceção, quando fica velho o bastante. Jogado no pavimento cruzado ou soprado para uma área alter de onde foi deixado, ele começa como protub, mas depois de um tempo suficientemente longo para se desvanecer e a escrita illitana ou besź ser obscurecida pela sujeira ou clareada pela luz, e quando ele coagula com outro lixo, incluindo lixo da outra cidade, é apenas lixo, e vagueia entre as fronteiras, como neblina, chuva e fumaça.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville
já não somos um
país? nunca fomos um país. o Brasil se formou pelo avesso. teve Coroa antes de
ter Povo. teve Estado antes de ser Nação.
a população indígena
se tornou estrangeira em sua própria terra, tal qual hoje os refugiados
políticos convertidos em párias no que fora sua pátria. no Brasil o contingente
de negros desterritorializados chegou a quase 5 milhões, 44% do total dos
africanos seqüestrados para as Américas.
nunca fomos um país.
sempre se tratou de negócios.
organizou-se uma
holding multinacional, com administração portuguesa, capitais holandeses e
venezianos, mão-de-obra indígena e africana, tecnologia desenvolvida em Chipre
e matéria-prima dos Açores e da ilha da Madeira – a cana. em torno do excelente
negócio do açúcar, a primeira mercadoria de consumo de massas em escala
planetária, se formou o moderno mercado mundial. a riqueza gerada pela cana de
açúcar na época foi superior, proporcionalmente, ao petróleo na economia
contemporânea.
no Brasil, foram
pessoas do povo que abraçaram um projeto de nossa construção nacional.
se algum dia
chegarmos a ser uma Nação, ela terá sido obra de Zumbi e dos quilombolas, da resistência indígena, dos Tamoios, Aimorés, Potiguares, Tupinambás e Emboabas, dos Cabanos, Malês e Balaios, do Almirante
Negro, do anarco-sindicalismo, da Coluna Prestes, de Apolônio de Carvalho,
Lamarca e Carlos Marighella, das greves do ABCD, da luta pela “Anistia, ampla,
geral e irrestrita”, da fundação do PT e da CUT, das “Diretas Já”, de Junho de
2013, do movimento “Não vai ter golpe! Vai ter luta!”.
o Brasil concebido
como mera base territorial para atender demandas externas, povoado por uma
população extirpada de cidadania e dignidade. e um outro Brasil, construção
inacabada da luta de trabalhadores, pobres, favelados, negros, mulheres,
homossexuais, travestis, índios, todos os que lutam pela libertação de sua
carne supliciada.
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