31 julho 2017

Brasil em Transe

31/07/2017


vídeo: Golpeachment


vídeo: Teatro de Vampiros


vídeo: Da Lama Ao Caos


vídeo: O Golpe


vídeo: Interregno


vídeo: Encruzilhada Perigosa


vídeo: A Volúpia Fascista


vídeo: A Histeria Fascista


vídeo: A Catarse Fascista

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22 julho 2017

os Brasis: esfinge sem enigmas

22/07/2017

nunca houve neste país nenhuma Direita unida. a luta de classes é também uma luta entre frações de classe. a cleptocracia brasileira não hesitou em demolir as empreiteiras e tentar conduzir a JBS ao abatedouro. o Almte. Othon e o programa nuclear estão encarcerados, sem nenhuma manifestação do Clube Militar ou qualquer vôo rasante de jatos despedaçando vidraças do STF. a indústria naval jaz encalhada, enferrujando. enquanto Aécio dá seguimento a sua carreira elogiável, Cabral em Bangu admite ter exagerado. cadeia produtiva de óleo e gás desarticulada, desindustrialização, queda no consumo arrasando com o mercado interno, setor de serviços insolvente, recessão, estagnação, deflação, ainda assim nenhuma reação coletiva empresarial. na guerra de famiglias, as grandes empresas de mídia começam também a se devorar;

a Globo nunca mandou neste país. nascida do Golpe de 1964, a Globo sempre foi sócia do capital financeiro internacionalizado, portanto do grande negócio da economia mundial: o Black Market. apontar a Globo como quem manda no Brasil, nunca passou de um ardiloso e conveniente diversionismo do Lulismo, pois nomear banqueiros e grande empresários como o núcleo da plutocracia brasileira seria também inviabilizar sua principal fonte de recursos de financiamento de campanhas. apesar da narrativa reducionista na qual a luta de classes se converte numa briga contra a Globo, esta sempre pode contar com generoso patrocínio público e com fartas verbas publicitárias. sem nunca ter investido na criação e no fortalecimento das mídias alternativas e independentes, com um movimento autônomo sendo capaz de produzir autonomamente seus meios de expressão e comunicação, o Lulismo manteve paralisada esta enorme energia criativa. mantendo os olhos fixos na telinha televisiva, dando audiência para o Jornal Nacional e o Fantástico, mesmo sendo apenas para mais uma vez repetir uma tediosa confirmação: a Globo distorce, omite e mente. em vez de construir uma mídia que somos nós, manteve cativos espectadores revoltados, mas sempre espectadores;

a mídia produz modos de viver. todo o poder da Globo não consiste exclusivamente em ser uma grande empresa de mídia, e sim por se constituir na agência de propaganda e marketing da plutocracia brasileira e de seus sócios internacionais. a Globo não é apenas uma arma de controle, e sim uma fábrica de modelos de comportamento, uma geradora de estilos de vida. o negócio da Globo, enquanto mídia, é produzir subjetividades: criar e moldar a legião uniforme de insaciáveis consumidores, mas sem nenhuma apetência para se tornarem cidadãos. com a web esvazia-se irrecuperavelmente o espaço de atuação tanto da Globo como de todas as mídias tradicionais. cada usuário se converte também em produtor de conteúdo. produção, consumo e circulação convivem simultaneamente no mesmo circuito. não que isto tenha tornado o problema menor. ao contrário, ao deslocá-lo e descentralizá-lo, o mesmo efeito produzido antes pela Globo, agora está disseminado pelas bolhas das redes sociais. temos agora livre acesso a comunicação. e quanto mais nos comunicarmos por este acesso, menos livres seremos;

uma superação da crise exige a superação do Lulismo. a Ex-querda e o Lulismo agem como se estivessem negociando um acordo, mas na verdade não estão. mas ainda que estivessem, seria uma inútil solução para o impasse atual. já não existe qualquer viabilidade para um Pacto à la Brasil. tanto à Direita quanto à Esquerda, todas as máscaras caíram. em situações limite todos se revelam como realmente sempre foram: esfinges sem enigmas. meros personagens desorientados em busca de autoria. da mesma forma que o setor dominante no Brasil revelou sua completa incapacidade de gerir com a mínima funcionalidade o país, também o Lulismo deixou patente seu fracasso. ambos não tem nada a oferecer, senão mais do mesmo. ainda mais fundo num poço interminável. se Moro tornou-se cabo eleitoral de Lula, este por sua vez se gabarita como o maior eleitor de Bolsonaro. Lulinha Paz e Amor nada propõe além do mesmo Lula-Lá de antes. foi este Lula-Lá que nos arrastou até a crise atual, não será por este Lula-Lá que a superaremos. estamos numa estranha contagem regressiva. quanto mais chega ao seu término, mais distante ficava de seu objetivo. 2018 é para sempre um ano longe demais.
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16 julho 2017

os Brasis: 2018, para sempre um ano longe demais

16/07/2017


Emir Sader - 13/07/2012 - artigo após a condenação sem provas de Lula

"Senhoras da Casa Grande, permitam que alguém da Senzala faça o que vocês não tem competência de fazer neste país. Permita que alguém cuide desse povo, porque este povo não está precisando ser governado pela elite."

nenhum retorno. a Constituição de 1988 foi jogada no lixo e o pacto Getulista foi assassinado. a cleptocracia brasileira jamais se conformou nem com um, tampouco com o outro. o único pacto por ela admitido é o das costas com a chibata. com o sistema político em estado terminal, as instituições disfuncionais e os poderes Constituídos sem mais qualquer legitimidade, não há nenhuma curva no caminho com algum retono a um mítico passado dourado. além da ausência de contexto econômico internacional favorável, o Golpeahment não deixa margem para resgate da estratégia de conciliação de classes. a hegemonia às avessas não mais atende os interesses de bancos e grandes empresas, que pretendem continuar como nunca ganhando tanto dinheiro, mas agora às custas dos direitos dos trabalhadores. já não se pode dar a uma classe sem tirar de outra. o sistema de poder está morto e seu sucessor ainda não se consolidou. no vácuo deste interregno proliferam as patologias sociais: criaturas monstruosas, fenômenos bizarros e sintomas mórbidos;

nenhuma saída. pela via parlamentar e através da política institucional o Brasil chegou a um beco sem saída. o burocrático calendário eleitoral é incapaz de dar conta dos intensos momentos das lutas concretas cotidianas. as frias pesquisas de popularidade e intenção de voto jamais substituirão o calor dos laços efetivos com as comunidades. a hipocrisia do marketing político é ineficaz frente as autênticas experiências de uma vida que valha a pena ser vivida. é preciso fazer política onde se vive e com as pessoas com quem se convive. nas comunidades, inclusive as virtuais. nas ruas da rede. e na rede das ruas. ocupar os espaços públicos, para torná-los de fato públicos. construir coletivamente a única rota de fuga viável: para a frente;

o futuro é o presente. enquanto os movimentos sociais permanecerem imóveis, girando em falso numa encruzilhada, hipnotizados pela miragem de um ano longe demais, 2018, não haverá qualquer futuro. e o presente será uma perene sucessão de duras derrotas. o futuro não está em 2018, está aqui e agora. em cada luta presente para derrotar o golpe. nunca antes neste país foi tão claro quanto agora que o impeachment é o golpe da plutocracia contra todos os demais. apenas mais um episódio na longa tradição de golpes da História brasileira. está mais do que desmascarado o Pacto a la Brasil para estancar a sangria e manter incólume o sistema de poder, expurgando apenas seu sócio mais recente: o PT. com a condenação sem provas de Lula, desmoraliza-se definitivamente uma justiça venal, corporativa, seletiva e classista. já não resta pedra sobre pedra. não são apenas as pedras de nossa derrota. são também a ruína da cleptocracia brasileira. seu atestado de incompetência para gerir o país. o setor dominante é a crise;

o presente já não é mais como costumava ser. com o colapso do sistema de poder, também se tornam vencidos os velhos paradigmas. é todo um modo de se fazer política que perdeu qualquer viabilidade. a política deve mais uma vez se enraizar no tecido das comunidades, para produzir outras relações sociais e, portanto, outras subjetividades. esta crise é fundamentalmente uma guerra de mundos. um mundo moribundo se recusa a morrer para outros mundos poderem nascer. uma guerra travada também no coração e mente de cada um de nós. os monstruosos estertores do velho mundo provocam experiências bizarras e mórbidas: frustração,  raiva, impotência, depressão, anomia. tanto à Direita quanto à Esquerda, busca-se ainda tábuas de salvação: líderes redentores e estruturas hierárquicas, em vez da autonomia de um movimento vivo em constante transformação. em detrimento do impulso emancipatório, as soluções autoritárias: o stalinismo e o fascismo, o caudilhismo e a intervenção militar;

2018, para sempre um ano longe demais. o presente é o tempo do esgotamento. o momento do fim. o aniquilamento de todas as ilusões. a partir de agora o futuro do Brasil e o futuro de todos nós dependem de nossa capacidade de nos reinventarmos. não há nenhuma síntese possível entre a Casa Grande e a Senzala, entre o Bolsa Família e o Copom, entre a Selic e a redistribuição de renda. o Senhor jamais permitirá que o Escravo seja livre. a liberdade é uma conquista. e não a consequência do "cuidado" de algum capataz generoso. o futuro depende de um amplo movimento de massas e de sua capacidade de cuidar de si mesmo. a vida é agora.

12 julho 2017

os Brasis: a pedagogia do golpe

12/07/2017


a cada vez que a Esquerda se omite a Direita se levanta. após um ciclo ascendente do movimento de massas em contra-ataque ao golpe, passando pelo ato de solidariedade a Lula de 10-MAI em Curitiba, pela ocupação de Brasília em 24-MAI e desembocando na maior greve geral brasileira em 28-MAI, mais uma vez há um repetido recuo. como é possível para um movimento em pleno exercício de sua potência subitamente arrefecer seu ímpeto? a resposta é dura: a Ex-querda e o Lulismo temem mais o movimento de massas do que temem a Direita. jamais se colocam como catalisadores de um movimento de massas autônomo, e sim atuam para subordinar este movimento e convertê-lo em massa de manobra. o velho e conhecido peleguismo nascido junto com a burocracia sindical brasileira. o povo na rua para defender Lula em Curitiba sim, mas nunca para acampar em Brasília e parar o Brasil em sucessivas greves gerais. o retrocesso do movimento popular sempre redunda um inevitável avanço da Direita. este foi o caminho que nos conduziu ao Golpeachment, e este será a via de ascensão de uma ditadura neo-fascista no Brasil;

a crise brasileira é a crise de nossas lideranças. e a crise da luta contra o golpe é a crise das lideranças de Esquerda. a quase totalidade das lideranças de Esquerda sucumbiu frente ao Golpeachment. não é possível derrotar o golpe pela via parlamentar, tampouco ao se pautar pelo calendário eleitoral. só um amplo movimento de massas, profundamente capilarizado no tecido social, é capaz de alterar a correlação de forças. um movimento sob o paradigma da transversalidade: uma verticalidade profundamente enraizada num ampla e enraizada horizontalidade. num contexto em que a crise da representação se consumou, apenas o próprio poder instituinte, a soberania popular, será capaz de promover mudanças nas relações sociais. por isto as mudanças não se dão pura e simplesmente através dos poderes constituídos, na maior parte das vezes nada mais que os grandes obstáculos para qualquer tipo de mudança. ou seja: a chegada ao governo deve ser precedida, e resultado, de um sólido processo de organização de um movimento popular necessariamente permanente. sem isto, os golpes continuarão triunfando, seremos sempre derrotados e afundaremos no cinismo e na depressão;

o golpe começa com Dilma Roussef. ainda antes de iniciar seu segundo mandato, Dilma assentou a pedra fundamental do golpe ao lançar o Plano Levy. com um viés de enfrentamento, a campanha de Dilma pulverizou Marina, abertamente defensora da autonomia do BC, e  encurralou Aécio, com suas “medidas impopulares”. ainda assim, logo após a eleição Dilma imediatamente trai seus eleitores e implementa uma versão mitigada de um projeto derrotado por quatro vezes nas urnas. então a estratégia de conciliação permanente do Lulismo já vencera seu prazo de validade. a cleptocracia exigiu uma rendição incondicional do Lulismo. apesar das insistências do Lulismo, Dilma não cedeu, por isto foi deposta pelo golpe do impeachment. Dilma é a grande personagem trágica do Lulismo, não Lula. apesar de seus equívocos, Dilma foi a única a tentar encaminhar um projeto de mudanças, enquanto Lula nunca cogitou ultrapassar a conveniente fronteira de uma hegemonia às avessas: curvar-se a quase totalidade das exigências de uma minoria, para tentar se legitimar pela concessão de alguns poucos benefícios para a maioria;

"E se eu fosse Dilma, no dia em que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment eu teria chutado o pau da barraca. Iria em rede na TV dia sim dia não e anunciaria que estava enviando ao Congresso todas as medidas que faria até o fim do mandato, com um pacote de bondades sobre salário mínimo, mudança na tabela do imposto de renda ficando mais progressiva (beneficiando inclusive a classe média), criação do imposto negativo para quem ganha menos e das grandes fortunas para os verdadeiramente ricos, imposto sobre lucros extraordinários, lei do teto e piso salarial no serviço público cair para a diferença de 1 para 20 e ir decaindo ao longo dos anos até ficar 1 para 8, marco regulatório da democratização das comunicações, incentivos para uso da internet e por fim enviaria convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para reconstruir o sistema político e construir alguns pactos nacionais."

só a Antropofagia nos une. ou se devora ou se é devorado. ou lutamos ou não sobreviveremos. tupi or not tupi. that is the question. esta é a definitiva lição da pedagogia do golpe. será a base de nossa educação pela pedra. por lições, para aprender da pedra, frequentá-la. um outro Brasil se erguerá dos escombros. já não restou pedra sobre pedra. será com estas pedras presentes da ruína institucional brasileira que coletivamente construiremos nosso futuro. ou será pela pedra, ou não haverá qualquer futuro.

vídeo: 2013 - It's time to RISE


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10 julho 2017

os Brasis: nosso inimigo tem muitas faces

10/07/2017


o golpe de 2016 é a regra. o Golpeachment não é uma exceção, e sim apenas mais um evento numa ancestral guerra civil, na qual a cleptocracia brasileira se impõe contra todos os demais. se o impeachment de Dilma teve como objetivo aplicar plenamente as medidas impopulares” derrotadas por quatro vezes nas urnas, o golpe brasileiro é um processo. jamais será derrotado pela via parlamentar e institucional. ao contrário, o golpe desmascara os poderes constituídos como sem qualquer legitimidade. só um amplo movimento de massas é capaz de se sobrepor ao golpe. assim como o golpe, este próprio movimento de massas é também um processo. ao Estado de Exceção permanente deve-se opor um incessante movimento de insurreição.  

nenhuma pax nos salvará. num mundo tomado por uma grande guerra global híbrida e assimétrica, a linha de frente de batalha está em todos os lugares, sem que nenhum desses lugares seja a linha de frente principal. o front em cada um, e mais ninguém  em cada front. mais do que conquistar territórios e se apossar de recursos naturais, a guerra contemporânea objetiva o controle das populações. submeter seus corações e mentes ao ponto de desejarem a submissão. não haverá retorno aos keynesianos anos dourados do capitalismo fordista no pós II Guerra Mundial. ao mesmo tempo que precariza estruturalmente o emprego, o capitalismo cognitivo expande o tempo de trabalho para colonizar todo o tempo de vida. jamais se deixa de trabalhar na produção de valor imaterial.

a Esquerda brasileira tradicional está obsoleta. prisioneira de paradigmas vencidos, a Esquerda brasileira, em sua quase totalidade, não consegue agir, sequer pensar, minimamente conectada com as novas condições contemporâneas. a Esquerda institucional jaz inerte, sempre pautada pelo calendário eleitoral, operando pela via parlamentar e orientada a pesquisas de popularidade e intenção de voto. oportunismo, fisiologismo e caudilhismo se mesclam numa fórmula de nunca ousar qualquer mudança, tão somente elaborar argumentos para justificar seu imobilismo. por outro lado, a arcaica Esquerda stalinista jamais se livrará de seus vícios de nascença: sectarismo, dogmatismo, centralismo, autoritarismo e culto a personalidade.

uma nova Esquerda só pode nascer de um novo modo de vida. se todo o tempo de vida se tornou tempo de trabalho, e se a guerra se processa no tecido das relações sociais e através da governança das subjetividades, nenhuma militância política pode estar separada do modo mesmo de se viver. o inimigo está em toda parte. onipresente, polimorfo e multifacetado, o inimigo somos nós. definitivamente, todos os Muros de Berlim vieram ao chão. já não há nenhuma fronteira nítida dividindo blocos claramente distintos. num mundo em que a vida se tornou o teatro de operações da guerra civil sem fim, é no modo de se viver que são travadas todas as batalhas.

a Ex-querda e o Lulismo fazem parte do golpe. Dilma não foi derrubada por se opor a adotar as medidas impopulares”. logo após sua reeleição em 2014, Dilma lançou o Plano Levy, encaminhou as reformas da previdência e trabalhista, assim como também ampliou o programa de privatizações, e não apenas sob o modelo de novas concessões, como no caso da BR Distribuidora e do pré-sal. o golpe foi uma exigência natural do esgotamento da estratégia de conciliação permanente do Lulismo, o que a Direita soube muito bem compreender, mas a Ex-querda até agora não quis assimilar. Dilma foi derrubada porque a cleptocracia brasileira, e seus sócios majoritários globais, não aceitaram senão uma completa rendição incondicional do Lulismo. nenhum versão mitigada das medidas impopulares”, apenas sua brutal e rápida implementação. do mesmo modo, não será pela versão "mitigada" de oposição ao Golpeachment que ele será superado. como o golpe só pode ser derrotado por um incessante movimento de massas, algo absolutamente fora de questão para a Ex-querda e o Lulismo, ambos são na prática sustentadores passivos do golpe.

as novas formas de organização nascerão das lutas. não é “o povo” que produz a luta e a resistência, é a luta e a resistência que forjam o seu Povo. do mesmo modo, as novas formas de organização não são preexistentes e serão geradas pela luta e pela resistência. quem muda o mundo são as pessoas, e o que muda as pessoas são as experiências de vida compartilhadas na luta para mudar o mundo. numa economia fundamentalmente terciária, onde tudo são serviços e mesmo a produção de commodities está determinada pela logística, já não pode haver qualquer centralidade de uma mítica "classe operária", cada vez mais deslocada para os gulags industriais chineses. a classe deve ser procurada onde há luta. ali a classe vive e se reinventa. não há e nunca houve nenhuma "nova classe média", esta fantasia conceitual tão conveniente tanto aos economistas neoliberais quanto aos teóricos do Lulismo. no Brasil como no mundo, a única novidade para as classes médias é seu inexorável empobrecimento. não está em curso nenhuma mobilidade social através da qual os pobres estão se tornando classe média, e sim o tornar-se pobre das classes médias. é ao se levantar para lutar como Multidão, como em Junho de 2013 e agora na resistência ao golpe e suas contra-reformas, que a classe se constitui. esta ascensão selvagem da classe sem nome não admite nenhuma homogeneização de suas irredutíveis diferenças, ficando como única característica comum serem todos pobres sem perspectiva de futuro. a fábrica onde habitam são os grandes centros metropolitanos. sua única chance de sobreviver é criar um outro modo de viver.

o golpe não se estabilizará. o golpe de 2016 tem seu marco zero quando Dilma lançou o Plano Levy, antes mesmo do início de seu segundo mandato, traindo seus eleitores que rechaçaram nas urnas tal proposta. assim como então foi inútil tentar reverter uma crise econômica aplicando as mesmas medidas que a produziram, nenhuma das contra-reformas neoliberais será capaz disto. ao contrário, apenas aprofundarão a estagnação econômica,  o caos social e a instabilidade política. a plutocracia brasileira jamais poderá apresentar qualquer solução viável para a crise, pois ela é a causa da crise. em situações limites tudo e todos se revelam como de fato são. para um golpe imposto pela exigência de se impor por cima de qualquer legitimidade popular as medidas impopulares”, não deixa de ser irônico ter criado um impasse frente ao qual a única forma de superação seja justamente através das "medidas populares". ou seja: a nulidade do impeachment e o grande capital pagar o pato de uma crise por ele desencadeada.

um novo modo de viver se processa pelas lutas no cotidiano. não haverá nenhuma solução para a atual crise brasileira vinda de cima para baixo. nenhum Salvador da Pátria, nenhum Pai dos Pobres, nenhum Pacto à la Brasil. a crise de representação é irreversível. nunca antes neste país foi tão grande a fratura entre os poderes constituídos, com suas instituições, e o poder instituinte da soberania popular. esta fratura tende a se acentuar, desembocando num regime autoritário, mas que tampouco conseguirá estabilizar o golpe, por nada mais ser do que um outro golpe na sucessão de golpes dentro do golpe. não há mais qualquer possibilidade de saída para a crise brasileira atual. apenas a construção de um portal de entrada para um novo ciclo. esta construção só se concretiza por meio de lutas localizadas integradas num amplo movimento de massas em âmbito nacional. com a periferia se tornando o centro, o interior a capital, a membrana o núcleo, a pele como a mais profunda carne. é no processo de suas lutas concretas por pautas concretas que pessoas concretas experimentam o Poder da Comunidade. chegando então a compreender como o local e o global são apenas duas perspectivas de uma mesma luta: viver uma vida que valha a pena ser vivida.

nosso inimigo tem muitas faces. nos espreita em todos os lugares. nos ataca o tempo todo. mas agora temos uma vantagem. todas as máscaras caíram. já não temos como nos enganar. nem mesmo quando nos olhamos no espelho. ou lutamos, ou não sobreviveremos.

vídeo: Welcome to Hell - G20 Hamburg

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01 julho 2017

os Brasis: fazer-se musgo, tornar-se Multidão

01/07/2017


as briófitas são vegetais muito antigos, os primeiros a evoluírem no ambiente terrestre, há cerca de 420 milhões de anos. são minúsculas e vivem em colônias. além de indicadores de saúde ambiental, em eco-sistemas degradados são as espécies pioneiras no processo de sucessão ecológica para regeneração daquele meio ambiente.

líquens e musgos são exemplo de briófitas. reduzem a erosão, servem como reservatório de água e nutrientes, fornecem abrigo à micro-fauna e funcionam como viveiros para outros vegetais.

apesar de seu diminuto tamanho e de aparentemente terem irrelevante importância, exercem um papel capital no eco-sistema, o que só é possível por viverem em colônias. sua potência não reside em cada espécime isolada, mas em seu poder coletivo.

vivemos nos Brasis o momento perene do Capitalismo de Crise. incapaz de se auto regenerar e submetido a crises periódicas cada vez mais destrutivas, o Capitalismo incorporou a crise como um modo de governar. as medidas tomadas para superar a “crise” não servem para combatê-la. ao contrário, a “crise” é desencadeada como pretexto para aplicar tais medidas.

portanto, não há nenhuma saída para a crise do Golpeachment que não se fundamente sobre sua nulidade.

o eco-sistema social está degradado, os poderes constituídos perderam sua legitimidade, as instituições faliram e a representação morreu. a única saída para deste deserto é um portal de entrada: iniciar um processo de regeneração no qual a espécie pioneira há de ser Multidão.

numa economia terciária, onde tudo e todos são rede de fornecedores de serviços, com o tempo de vida convertido plenamente em tempo de trabalho não remunerado, um incessante trabalho imaterial e desvinculado do emprego e do salário, agrega valor ao produto através de sua associação com um modo de viver.

a mesma camiseta de malha, idêntica materialmente, tem valor absurdamente diferente caso esteja associada a uma grife. ao usá-la, se faz do corpo um comercial vivo. se está trabalhando gratuitamente para agregar valor a esta grife, mas se experimenta como de fato vivendo o modo de vida associado aquela grife. então nos tornamos apenas escravos felizes com a própria escravidão. mas tanta “felicidade” ilusória só pode redundar em depressão, o distúrbio psico-somático de nossa época.

ao colonizar o tempo de vida, o biopoder expropria nossa energia vital. aos poucos, nos tornamos zumbis num ambiente de anomia. ao biopoder devemos afirmar a biopotência: uma indomável vontade de viver. o cuidado de si, para neutralizar o processo de zumbificação. mas isto só pode ser feito coletivamente, numa sucessão de regeneração do eco-sistema social.

com o Golpeachment todas as máscaras caíram. em situações limites, tudo e todos se revelam como são.

uma cleptocracia colonial e escravagista jamais deixará de ser atavicamente golpista. não é sustentável nenhuma estratégia de conciliação de classes. todo pacto é apenas uma traição adiada.

nenhum neo-desenvolvimentismo terá êxito, a não ser abandonando a própria noção de “desenvolvimento”.

os recursos naturais limitados impõe limites definitivos a uma expansão ilimitada das forças produtivas. do mesmo modo, um meio-ambiente ecologicamente equilibrado só se sustenta numa sociedade onde haja justiça social. nenhuma inclusão social é autêntica quando baseada no consumo. qualquer projeto econômico deve se erguer além da dicotomia natureza/cultura.

o processo de reconstrução da Democracia e da refundação da República, não se dará sob a luz dos velhos modelos. tudo terá que ser reconstruído de baixo para cima, de dentro para fora, sob o paradigma da transversalidade: uma verticalidade profundamente enraizada num ampla e capilarizada horizontalidade.

para a sobrevivência dos Brasis, tudo deverá ser reinventado, a partir de nos mesmos, de nosso modo de viver. a regeneração de nosso eco-sistema social, econômico e político começa com nosso poder de fazer-se musgo e tornar-se Multidão.

vídeo: Fazer-se musgo

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