17 maio 2016

o Brasil & o Brasil (3)

17/05/2016

“Se alguém precisasse ir a uma casa fisicamente ao seu lado, mas na cidade vizinha, era por uma estrada diferente em uma potência inamistosa. É isso que os estrangeiros raramente compreendem. Um habitante de Besźel não pode andar alguns passos até a porta ao lado em uma casa alter sem brecha.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville

interregno. estamos numa travessia. a falência histórica do velho já aconteceu, mas não sua falência política. neste vácuo ocorre a construção de um novo sistema de poder, através da luta entre os diversos setores sociais. quando o novo ainda não conseguiu nascer, surgem os sintomas mórbidos, os fenômenos bizarros e as criaturas monstruosas. este é o tempo que vivemos.  

a falência do velho. o arcabouço institucional do país expirou sua validade em Junho de 2013. desde então, a representação política entrou em colapso. e agora, diante de todos, o sistema de poder está ruindo. qualquer sobrevida deste modelo em escombros será um rearranjo de curta existência. há também uma crise da “cúpula”, já não mais capaz de manter sua dominação como antes. o setor dominante rachou: Marcelo Odebrecht condenado a mais de 19 anos de prisão, Eduardo Cunha afastado e Kátia Abreu se manteve fiel no Ministério de Dilma.

a ascensão do novo. na dinâmica da resistência ao golpe repete-se o segundo turno das eleições de 2014. os principais responsáveis pela eleição de Dilma não foram sua campanha oficial e seus marqueteiros milionários guiados por pesquisas. foi o Povo sem Medo, os aguerridos eleitores que através de suas inúmeras pequenas batalhas cotidianas conquistaram a memorável vitória da candidatura que apoiaram.

um outro Brasil. há um novo Brasil se erguendo poderosamente. a articulação da sociedade civil e a retomada do protagonismo dos movimentos sociais são a ponta de lança de um outro Brasil, que surge dos escombros do atual cerco à Democracia. enquanto as instituições se desintegram, uma imensa,  heterogênea e descentralizada resistência se opõe ao cerco. embrião de um novo sistema de poder.

transmutador histórico. numa crise estrutural, quando o sistema entra em colapso, tudo se torna instável e volátil. pequenas ações podem gerar enormes mudanças. ocorre uma aceleração e uma condensação do tempo histórico (Walter Benjamin, historischer zeitraffer). na linearidade do tempo pendular e mecânico, a tirania do relógio capitalista, irrompe um tempo qualitativo e catalisador no presente de todos os momentos de revoltas no passado. um tempo prenhe das possibilidades de um futuro indeterminado. o livre arbítrio se impõe ao determinismo. os homens já não mais fazem História sob circunstâncias determinadas. há escolhas a serem feitas num “tempo do agora”. um tempo liberto do legado transmitido pelo passado. um tempo no qual os vivos se encontram momentaneamente não mais sujeitos ao pesadelo da opressão das gerações mortas. um tempo no qual atos individuais se potencializam e ganham efeito social. o tigre dá o seu salto sob um Sol imóvel no meio de seu curso.
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