29 agosto 2016

o espectro e a loucura

29/08/2016


A man decides after seventy years
That what he goes there for, is to unlock the door
While those around him criticize and sleep...
And through a fractal on a breaking wall
I see you my friend, and touch your face again
Miracles will happen as we trip
But we're never gonna survive, unless...
We get a little crazy

hoje, ainda mais uma vez...

ainda mais uma vez com o corpo torturado e a alma dilacerada, faremos os verdugos esconderem a face, humilhados pela própria mediocridade.

se ainda mais uma vez prenderem nossas lideranças, surpreenderemos os encarceradores de sonhos e seremos cada um de nós lideranças de nós mesmos.

ainda mais vez ao analisar o presente, e mesmo quando pretendemos o futuro, somos postos a pensar outra vez o passado, acomodá-lo ao presente, ou até mesmo transformá-lo em matriz do devir.

mais uma vez atrás de nós, as ruínas da esperança. em nenhum momento tão grande foi a distância entre o que somos e o que esperávamos ser.

Oh, darlin...
In a sky full of people, only some want to fly
Isn't that crazy?
In a world full of people, only some want to fly
Isn't that crazy?
Crazy...

que é mais nobre para a alma: sofrer os dardos de um destino cruel, ou pegar em armas contra um mar de calamidades e contra elas lutar até dar-lhes fim.

forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.

se as aves de rapina querem o sangue de alguém, eu ofereço em holocausto a minha vida. escolho este meio de estar sempre convosco. meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. e aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém.

morrer... dormir; nada mais ! talvez sonhar ! sim, eis a dificuldade !

My heroes had the heart to lose their lives out on a limb
And all I remember is thinking, I want to be like them
Ever since I was little, ever since I was little it looked like fun
And it's no coincidence I've come
And I can die when I'm done

como repousar meu coração inquieto, se mais uma vez sucumbimos por não sermos capazes de sonhar o bastante.

e é assim que a consciência nos transforma em covardes, é assim que a força inicial de nossas resoluções se debilita na pálida sombra do pensamento e é assim que as empreitadas de maior alento e importância deixam de ter o nome de ação.

mas toda a realidade não é mais do que um excesso, uma violência, uma alucinação extraordinariamente nítida, que vivemos todos em comum com a fúria das almas.

estamos agora exatamente na hora dos feitiços noturnos, quando os cemitérios bocejam e o próprio inferno solta seu sopro pestilento sobre o mundo! seria, agora, bem capaz de beber sangue quente e fazer tais horrores que o dia ficaria trêmulo só de contemplá-los!

Quereme así, piantao, piantao, piantao
Abrite los amores que vamos a intentar
La mágica locura total de revivir
¡Vení, volá, vení! ¡trai-lai-la-larará!
¡Viva! ¡viva! ¡viva!
Loca el y loca yo
¡Locos! ¡locos! ¡locos!
¡Loca el y loca yo

questões e mais questões que me esmagam sob o peso da dúvida, da incerteza, da indecisão...

devo me entregar de corpo e alma ao mar de sangue da vingança? ou aceitar a mansa resignação do pacto palaciano? mais vale se desfazer dos escrúpulos e conservar o reino; ou não abrir mão dos princípios e junto com o reino perder a própria vida? qual o caminho da justiça?

nestes tempos, a própria virtude tem de pedir perdão ao vício e ainda deve prostrar-se a seus pés, implorando-lhe permissão para fazer-lhe o bem.

maldita sorte ! como recolocar em ordem um mundo fora dos eixos?

Louco, pelas ruas ele andava
O coitado chorava
Transformou-se até num vagabundo
Louco, para ele a vida não valia nada

dadas as circunstâncias, é meu conselho lidar com o mal menor enquanto o bem maior se mostra inalcançável. minhas utopias são todas realistas. mas é terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só com as dores alheias, mas também com as suas próprias.

ah! fôssemos infinitos, tudo mudaria. como somos finitos, muito permanece.

que fizemos à  Fortuna para que ela nos enviarmos para esta prisão? esse país é uma prisão...

mesmo o Sol que é um deus, se beija cadáver putrefato, gera larva num cão morto... um homem pode pescar com o verme que se alimentou de um rei e comer o peixe que se nutriu daquele verme.
um rei pode circular pelas tripas de um mendigo.

E aí
Eu comecei a cantar um verso triste
O mesmo verso que até hoje existe
Na boca triste de algum sofredor
Como é que existe alguém
Que ainda tem coragem de dizer
Que os meus versos não contêm mensagem
São palavras frias, sem nenhum valor

eu não vou mais enlouquecer. eu não vou mais me matar. eu não quero mais ser Rainha. eu não quero mais ser esposa. não quero me casar. não quero mais ser mãe. não quero mais ser virgem e casta. não quero mais ser devassa. não quero mais servir aos homens. todo homem que um dia caminhou sobre a face da terra, começou a viver dentro do meu ventre; veio ao mundo pelo meio de minhas coxas; ganhou a luz pelo buraco de minha vagina. todo homem é resultado do sêmen depositado em meu útero. e hoje eu devolvo ao mundo todo o esperma que recebi, porque ele se transformou num veneno mortal. meu coração é o pêndulo do mundo. eu arranquei o relógio que era meu coração para fora do meu peito. e fui para as ruas, vestida com meu sangue.

Sim, sou muito louco, não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, eu sou feliz

hoje eu venho para o alto deste palco. e meu único motivo é descobrir o que se pode ver daqui de cima. à minha frente contemplo as ruínas da nação. uma paisagem desolada pela exclusão e a usurpação. fantasmas vagam pela escuridão do caos enquanto reis festejam seus torpes crimes.

e nos tornamos um espectro. o espectro que assombra este país. apesar disto nunca estivemos tão vivos quanto agora. somos um morto sempre vivo. inútil tentar nos conjurar. tremam ao ouvir nosso nome.

A gente andou
A gente queimou
Muita coisa por ai
Ficamos até mesmo todos juntos
Reunidos numa pessoa só

o que fazer ?
tudo é incerto.
nada é inteiro.
isso é o que nós somos: nevoeiro.
a hora é agora !
aqui nasce o futuro !

à cegueira da vingança, eu respondo com implacável justiça. desmascaro os reis assassinos. renego a coroa. abro os portões do castelo.

o mundo está fora dos eixos. onde estarão aqueles nascidos para colocá-lo em ordem? por que não entram em cena aqueles nascidos para colocar ordem no mundo?

ser ou não ser... eis a questão.

Adue, adue. lembrem-se de mim.
não se esqueçam. não se esqueçam.

Remember when you were young?
You shone like the sun
Shine on, you crazy diamond
Now there's a look in your eyes
Like black holes in the sky
Shine on, you crazy diamond
You were caught in the crossfire
Of childhood and stardom
Blown on the steel breeze
Come on you target
For faraway laughter
Come on you stranger, you legend
You martyr,
and shine
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24 agosto 2016

colapso

24/08/2016


nos escombros do colapso institucional brasileiro, a maior das catástrofes é a do Lulismo e de quase toda a Esquerda. obrigados pela realidade a encarar o espelho, se negam a identificarem-se com a imagem refletida. apanhados numa crise de representação, agarram-se aos escombros de sua auto imagem desmascarada, como se assim fosse possível sobreviver ao desastre da queda da Democracia no Brasil.

ao vagar em círculos no labirinto que construiu ao seu próprio redor, a Esquerda não se propõe ao único movimento capaz de construir uma nova identidade: mergulhar no abismo e atravessar a superfície do espelho.

num jogo sujo com cartas marcadas, a banca sempre vence. sem a participação popular não há como ganhar.

pautado pelo calendário eleitoral e submisso à lógica das instituições, o PT reduziu-se de partido de massas a partido de quadros. ex militantes metamorfoseados em comissionados incrustados nos cargos da máquina pública. (link) de defensores dos interesses de amplas camadas da população, a representantes de si mesmos. de instrumento de luta dos trabalhadores, a mais um partido de sustentação da ordem. (link)

uma  estúpida borboleta, que abandonou o vôo pelos céus e se enfiou novamente no casulo, para decompor-se como lagarta.

“Pois aqui, como vê, você tem de  correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar.
Se quiser ir a alguma outra parte, tem de correr no mínimo duas vezes mais rápido!”

se o Lulismo sempre foi uma sedutora esfinge sem enigmas, nos encontramos todos na maior de todas as encruzilhadas de nossa História.

ao negar-se a decifrar o enigma do auto-engano em que se imobilizou, para hipotecar apoio incondicional ao Lulismo, a maior parte da Esquerda acabou por se converter em sua própria esfinge, sem se dar conta que nada mais fez do que devorar a si mesma.

não é apenas a conciliação de classes do Lulismo que expirou sua data de validade. a falência institucional deixa exposta a fratura entre o poder instituinte e os poderes constituídos.

no país das maravilhas da plutocracia não há lugar para os demais, a não ser como peões descartáveis, sob uma precarização estrutural do trabalho.

com a brutal queda no deserto do real, talvez o maior dos colapsos em curso seja o colapso das subjetividades. uma devastação das almas, perambulando pela planície desolada do cinismo e da impotência. 

após os 13 anos de Alzheimer político, os afetados pela Síndrome do Crepúsculo anseiam voltar para uma casa que já não existe. Édipo já não pode esconder seu desejo mais secreto: arrastar-se de volta para o protetor e aconchegante útero materno. mas como retornar de uma viagem definitiva?

“É uma mísera memória, essa sua, que só funciona para trás”, a Rainha observou.”

privados da moldura institucional para configurar suas ações, os sujeitos políticos não mais sabem como movimentar suas peças. seguem automaticamente obedecendo a regras que já não fazem sentido algum.

nas ruínas do Estado Democrático de Direito, a Esquerda permanece hipnotizada com as eleições municipais. e o Lulismo acredita piamente numa redenção prometida para um ano que se anuncia como longe demais: 2018.

em plena consumação do impeachment, as campanhas eleitorais são como corridas numa espécie de círculo, sendo que a forma exata não tem importância. basta repetir o mesmo jingle, o mesmo marketing, o mesmo financiamento, o mesmo discurso, o mesmo palanque, a mesma formatação...  no final, todos ganham seus prêmios. e o único perdedor continua sendo o eleitor.

“Eu não a reconheceria se nós nos encontrássemos”, Humpty Dumpty respondeu num tom   desgostoso, dando-lhe um de seus dedos para apertar: “você é tão exatamente igual às outras pessoas.”

a trágica farsa brasileira já não mais consegue se impedir de vir à luz.

pela Lava Jato eclode o retorno do reprimido com a Satiagraha, enterrada pela santa aliança entre Lula, Gilmar Mendes, Daniel Dantas e a Editora Abril (link). a estrutura de poder entra em colapso.

ao pretenderem purificar a política com seus 10 Mandamentos anti corrupção, os Cruzados de Curitiba conduzem ao poder um condomínio de gangues patrimonialistas. enfim, se descobrem usados como meros marionetes de um jogo fora de sua jurisdição.

o limite da investigação em curso na Lava Jato são as contradições intrínsecas do capitalismo: financeirização e oligopolização. a contradição interna da Lava Jato é que sua investigação desemboca na constatação que a corrupção sistêmica é endógena ao capitalismo. e não pode ser corrigida, portanto, pela via policial ou judicial. requer uma solução política.

“Gostaria de não ter chorado tanto!” disse Alice, enquanto nadava de um lado para outro, tentando encontrar uma saída.“Parece que vou ser castigada por isso agora, afogando-me nas minhas próprias lágrimas! Vai ser uma coisa esquisita, lá isso vai! Mas está tudo esquisito hoje.”

no xadrez do Brasil do golpe do impeachment, como fazer o peão branco vencer em onze lances? com certeza, não será repetindo obsessivamente os mesmos erros das partidas anteriores.

enquanto caímos, caímos, caímos, a queda no abismo parece não terminar nunca...

talvez seja o tempo necessário para nos indagarmos onde estávamos no outono de 2007. quando, em abril, a New Century Financial vai a falência, intoxicada pelas hipotecas subprimes que emitira, marcando o primeiro evento da grande crise de 2008. logo depois, em maio, é deflagrada pela PF a Operação Navalha para desbaratar esquema de superfaturamento de obras do PAC, num presságio daquilo que seria a Lava Jato.

que admirável novo mundo veríamos do outro lado do espelho?

a Esquerda ainda confunde o neoliberalismo como a renovação de uma doutrina econômica, enquanto se trata da implantação de uma nova razão no mundo. uma reconfiguração completa das relações sociais, resultando na produção de um neo sujeito. uma subjetividade sob o modelo do mercado e da concorrência empresarial. (link)

a Crise de 2008 ainda pulsa e ainda é pouco. USA Incorporation já não consegue estabilizar a economia mundial: a Europa se desintegra, a provincial Germânia mantém o Euro disfuncional, o Japão segue estagnado e o dragão Chinês já não cospe fogo como antes.

tanto aqui como em toda parte o sistema está em colapso. o que é agravado por uma inédita e reveladora crise climática: o capitalismo cruzou um limite perigoso, ameaçando a sobrevivência da própria sociedade.

“Agora está sonhando”, observou Tweedledee. “Com que acha que ele sonha?” Alice disse: “Isso ninguém pode saber.” “Ora, com você!” Tweedledee exclamou, batendo palmas, triunfante. “Se o Rei acordasse”, acrescentou Tweedledum, “você sumiria… puf!… exatamente como uma vela!””

nas próximas eleições norte-americanas uma vitória da ultra neoliberal Killary, a Senhora da Guerra, abre o mapa do caminho para um confronto nuclear.

mas se os Republicanos decidiram informar aos eleitores que o candidato deles à presidência dos EUA não pode chegar à Casa Branca, Trump talvez acene com um surpreendente projeto de renascimento industrial, repatriação dos empregos e taxação dos lucros especulativos.

ao mesmo tempo, a estratégia do eixo Rússia-Pequim-Teerã muda as regras do jogo na geopolítica mundial.

com seu alinhamento automático a um EUA imperial numa globalização unipolar fadada ao desaparecimento, os golpistas brasileiros inauguram seu regime a serviço de uma geopolítica em ocaso.

tanto no Brasil quanto no mundo vivemos o fim de uma era.  “Aonde fica a saída?", Perguntou Alice ao gato que ria. ”Depende”, respondeu o gato. ”De quê?”, replicou Alice; ”Depende de para onde você quer ir...”
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16 agosto 2016

o fim e o começo

16/08/2016


winter is now. as folhas caíram. na escuridão do abismo em que nos afundam, junto com a queda da Democracia brasileira, procuramos algo para nos agarrarmos.  mas no colapso institucional nada restou em que se apoiar, a não ser uns nos outros. é nesta solidariedade radical que devemos firmemente nos agarrar.

na recente tentativa de golpe na Turquia, o Presidente ao menos teve a virtude de lutar pelo próprio mandato. apesar das gigantescas restrições que a ele façamos, não hesitou em conclamar seus apoiadores às ruas e enviar militares fiéis para deter os amotinados.

enquanto isto, no Brasil ainda se discute se o  golpe é golpe... se é “conveniente” chamar o golpe pelo o que ele é: golpe.

o Lulismo ainda mais uma vez abandona as ruas. o presidente do PT declara que o partido vai se concentrar em fazer a defesa do ex-presidente Lula na Lava Jato. e num definitivo sincericídio, incapaz de ser contornado com a hipocrisia posterior, Haddad expõe como o Lulismo encara o impeachment: “Golpe é uma palavra um pouco dura”.

se nos jogos olímpicos da exclusão, em curso no Rio de Janeiro, o povo sem medo acumula diversas medalhas na categoria de manifestações espontâneas contra o usurpador golpista, o grande ausente no mega-evento concebido como celebração gloriosa de seu projeto é o Lulismo – banido dos protestos nas Olimpíadas por iniciativa própria.

o golpe está se concretizando também por uma razão bastante simples: o Lulismo jamais sequer cogitou opor qualquer resistência popular a ele!

mesmo no trágico ocaso de seu ciclo governista, com o país mergulhando num Estado de exceção, ainda assim o Lulismo permanece em sua estratégia de conciliação permanente a serviço de uma hegemonias às avessas: atender a quase todas as exigências da minoria em nome de conceder alguns poucos benefícios para a maioria.

para que o projeto da plutocracia brasileira seja executado pelo condomínio de gangues patrimonialistas, e assim estas sejam recompensadas com a anistia através do acordo  de pacificação nacional das elites, a farsa e o escárnio tornam-se completamente escancarados:

- 37 dos 65 integrantes da comissão do impeachment enfrentam acusações de corrupção e outros crimes;
- dos 513 deputados federais, 313 estão sob investigação, ou já acusados, de crimes desde corrupção, homicídio e até promover trabalho escravo;
- assim como 49 dos 81 senadores também já enfrentam acusações ou investigações. (link)

neste cenário desolador, tudo que se pretendia como construção já não é senão apenas ruínas. uma falência múltipla dos poderes constituídos e uma disfuncionalidade consumada do arcabouço institucional.

uma arquitetura do caos projetada para arrastar o Brasil ao epicentro de uma guerra híbrida mundial cujo propósito é implantar uma nova razão no mundo. (link)

em mais uma grande transformação do capitalismo global, as pessoas são reconfiguradas como empreendedores de si mesmo. já não seremos indivíduos, muito menos cidadãos: apenas empresas que se deve gerir e um capital humano que deve se acumular. e nossas relações sociais nada mais serão do que a de empresas competindo entre si.

toda nossa existência, até mesmo a subjetividade, sob a lógica do mercado e do modelo empresarial.

como numa permanente competição esportiva, prevalece o princípio da “auto-superação”: sempre mais desempenho, seja na produção, no consumo ou no gozo.

um governo de si mesmo, pela introjeção das técnicas de coaching, auditoria, compliance, accountability. uma destruição da dimensão coletiva da existência através de uma individualização extrema promovida por um feroz regime de concorrência a que os indivíduos são submetidos em todos os níveis.

a economia é apenas o método. conforme Mrs. Thatcher admitiu, o objetivo é mudar corações e mentes, é mudar a alma das nações. o modo como os homens são governados passa a ser a maneira como eles próprios voluntariamente se governam.

 o cinismo, a mentira, o menosprezo, a ignorância, a arrogância, a brutalidade são os valores que imperam quando a existência é reduzida ao nível de gestão da eficácia empresarial.

quando o desempenho é o único critério, já não são relevantes o respeito às formas legais, aos procedimentos democráticos, à liberdade de pensamento e de expressão. nesta nova fase do neo liberalismo a desvinculação com a tradicional democracia liberal é completa. o direito privado se torna isento de qualquer controle, até mesmo do sufrágio universal.

frente ao inverno de nossas almas, a Esquerda, toda ela, fracassa como um monstruoso contingente de zumbis conduzidos por mortos-vivos. uma Esquerda moralista e incapaz de propor uma ética para se contrapor ao projeto do ultraliberalismo.

a ética não se confunde com os “bons costumes”, conforme aceitos num determinado grupo social numa determinada época. a ética é um projeto de vida. um modo de viver, de se relacionar consigo mesmo, com a comunidade e com a vida ela própria. por isto, a ética e a política são absolutamente inseparáveis.

como o Capitalismo adotou a gestão da crise como técnica de governo, não há nenhuma “crise” da qual precisamos sair, há uma guerra que precisamos ganhar, mesmo que sejamos derrotados em muitas batalhas.

e esta é uma guerra pela nossa sobrevivência. nesta guerra, nossa principal arma é uma ética. uma ética do comum. a construção desta ética começa com uma simples questão que juntos devemos responder:

-  qual o tipo de vida que desejamos ter?


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10 agosto 2016

a batalha do Brasil

10/08/2016


guerra ao terror. guerra às drogas. guerra à corrupção. guerra sem fim. a guerra como negócio.

Afeganistão, Iraque, Bálcãs, Líbia, Grécia, Egito, Ucrânia, Europa, Síria, África. se quiser impor uma mudança, desencadeie uma crise. ou ainda melhor, deflagre uma guerra.

num mundo em que a guerra é o hardware no qual se processa atualmente o Capitalismo, a crise consiste na continuidade da guerra por outros meios. uma desestabilização permanente desencadeando mudanças constantes, a fim de evitar que não ocorra de fato nenhuma mudança autêntica. para gerir as crises periódicas do capitalismo gerou-se a doutrina do Capitalismo de Crise.

o Capitalismo declarou guerra à humanidade e ao planeta. a Tirania Financeira avança sobre nações e populações, fragmenta os países, expropria seus recursos naturais e exila seu povo.

é no epicentro de uma guerra híbrida mundial que travamos a batalha do Brasil.

nunca fomos uma nação. e já não somos um país. o BrasilPar é hoje uma gestora de participações acionárias em diversas empresas e empreendimentos, uma holding estrategicamente associada a USA Incorporation.

com o acentuado nível de oligopolização e financeirização, os cartéis se entrelaçaram a ponto de alguns poucos grupos controlarem a quase totalidade da economia brasileira.

como a grande indústria se tornou um empreendimento de fachada, não poderia estar melhor representada do que pelo painel luminoso do prédio da FIESP, por seu pato plagiado e seu presidente sem-indústria e rentista do setor imobiliário.

herdeira de um ódio ancestral à Democracia, a plutocracia brasileira concretiza com o golpe do impeachment o seu projeto de país: uma capitania hereditária condenada a perpetuamente exportar commodities. para os donos do poder serem os donatários do Estado máximo, os demais devem ser mantidos em regime de semi-escravidão nas zonas de exclusão.

na ruína institucional os poderes constituídos se revelam como sórdida ficção. não mais legitimados por nenhum poder instituinte e sim pela coerção e o arbítrio. Executivo, Legislativo, Judiciário e MPF estão igualmente expostos como instrumentos de poder a serviço da plutocracia. já não possuem qualquer fundamento num poder emanado do povo.

sim, o rei está nu! e quanto mais alto se ergue este grito, mais a ele o rei se torna surdo. enquanto o “Fora Temer” ecoa potente nas ruas e nas pesquisas, mais patente fica sua incapacidade de concretizar a palavra de ordem, porque entre o poder instituinte e os poderes constituídos já não existe relação, apenas a ruptura.

um golpe se institui pela força e só um contra-golpe pode detê-lo.
          
após a miragem dos 13 anos de promíscua conciliação de classes do Lulismo, mais uma vez a plutocracia brasileira deflagra a guerra civil contra o Povo e a Nação.

frente ao golpe, o Lulismo prossegue em seu pesado sono, tendo sonhos impossíveis sobre um ano longe demais: 2018. seu foco atual não é na resistência ao golpe e sim nas eleições municipais de outubro, mesmo com o registro do PT sob pedido de cassação.

a heróica resistência do Povo sem Medo nas ruas reduz o véu constituinte a farrapos. agora todos podem ver o que ele ocultava: um condomínio de gangues patrimonialistas, um consórcio de organizações criminosas. sem qualquer legitimidade, base ou fundamento. nada mais que o puro exercício da força.

na batalha do Brasil, resistir é um imperativo ético. por que lutamos? lutamos por nossa sobrevivência.

“Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.”
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a batalha do Brasil (2)

10/08/2016


a divulgação das gravações de Sérgio Machado deixou claro que impeachment é uma tentativa de pacto à la Brasil para estancar a sangria da Lava Jato, e que Dilma Roussef sempre foi a pedra no meio do caminho do acordo de salvação nacional das elites.

com tudo e todos citados nos grampos e delações premiadas, o sistema de poder é mantido refém pelos arquivos da Lava Jato, e dos serviços de inteligência dos EUA e Israel. a coação e a chantagem passam a determinar o movimento das peças no xadrez político.

a Presidente sob processo de impeachment, a única sobre a qual não pairam acusações sobre enriquecimento pessoal ilícito, é também a única peça a não se encaixar no jogo pelo qual parlamentares, membros do Judiciário e grandes empresários tentam salvar as próprias cabeças, mesmo que às custas do futuro do país.

neste jogo sujo e pesado, o preço exigido para viabilizar o pacto é a aplicação do programa por 4 vezes derrotado nas urnas. uma plataforma que nunca seria aprovada pela soberana vontade popular.

o condomínio de gangues patrimonialistas assume o projeto da plutocracia brasileira, e de seus associados internacionais, como um salvo conduto para a maximização do controle de danos dos devastadores efeitos que a operação Lava Jato sobre ele desencadearia.

após a Crise de 2008, com a deterioração da economia global e o fim do ciclo das commodities, o contrato social sob a gestão do Lulismo perde sua viabilidade, por ser incapaz de promover o “ajuste” com a rapidez, abrangência e profundidade exigida pelo Capital.

chegamos a uma situação limite que por 13 anos a pacificação lulista aspirou ser possível indefinidamente postergar: o acerto de contas entre a plutocracia, a casta política e a burocracia do Judiciário e do MPF contra o Povo e a Nação.

o objetivo é o desmantelamento completo da Constituição de 1988.

com a fratura exposta entre o poder instituinte, mais uma vez manifestado nas urnas em 2014, e os poderes constituídos, o país afunda numa grave crise institucional.

na batalha do Brasil em curso, retrocedemos de uma Democracia mitigada para um regime de Ditadura disfarçada. como numa repetição acelerada do trágico percurso entre o golpe de 1964 e o AI-5, em 1968, estamos velozmente no rumo de mais um brutal regime de completa exceção.
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07 agosto 2016

por que lutamos?

07/08/2016



raiva, impotência, frustração, desespero. melancolia e depressão. a esmagadora luz negra da derrota do golpe do impeachment nos atinge a todos.

mas tudo se resumirá apenas a um dramalhão barato, uma novela das 8 sem final feliz, se nos deixarmos sucumbir tão rápida e facilmente.

fomos pegos numa armadilha. como o anjo da História, ao mantermos o rosto voltado para o passado, enquanto impelidos para um futuro ao qual viramos as costas, tudo o que estarrecidos somos capazes de ver são ruínas se amontoando em direção ao céu.

contudo, a derrota é o fogo alto que forja o aço de nossas vitórias. a grande derrota é purificadora porque nos liberta dos paralisantes laços que relutávamos em abandonar.

o arcabouço institucional do país expirou sua validade em Junho de 2013. isto significa que a moldura institucional do país já não cabe mais no organismo social brasileiro. desde então a representação política entrou em colapso. e agora, diante de todos, o sistema de poder está ruindo. qualquer sobrevida deste modelo em escombros será um rearranjo de curta existência.

na dinâmica da resistência ao golpe repete-se o segundo turno das eleições de 2014. os principais responsáveis pela eleição de Dilma não foram sua campanha oficial e seus marqueteiros milionários, guiados por detalhadas pesquisas qualitativas. foi o povo sem medo! os aguerridos eleitores que através de suas inúmeras pequenas batalhas cotidianas conquistaram a memorável vitória da candidatura que apoiaram.

o think tank golpista jamais supôs tanta energia e vitalidade. em suas análises e formulações esqueceram a capacidade criativa do Povo Brasileiro. mas Junho de 2013 ainda pulsa. é Junho de 2013 que retornou, arrastando multidões às ruas, sem liderança e sem partido, para resistir ao golpeachment.

já aprendemos que não precisamos de nenhuma convocação de alguma vanguarda dirigente para ocuparmos os espaços públicos em manifestações contra o golpe.

já se entranhou no cotidiano e tornou-se hegemônica a narrativa histórica sobre o caráter golpista do impeachment: um golpe da plutocracia contra os pobres.

já ganhamos a medalha de ouro no revezamento de apagamento da tocha olímpica e no mais breve discurso de abertura de Olimpíadas. e estamos muito perto do pódio na categoria criatividade nos protestos em eventos esportivos.

o golpe foi desmascarado, os golpistas estão expostos.

não renegaremos nenhum sentimento de raiva, impotência, frustração, desespero, melancolia ou depressão. mas não nos submeteremos a eles. sairemos juntos às ruas e juntos ocuparemos os espaços públicos. juntos celebraremos a luta e a resistência como nossa forma de epifania.

e juntos nos encontraremos como jovens e velhos cantando e gritando juntos. amigos se abraçando e casais se beijando. desconhecidos marchando como antigos companheiros. punhos cerrados balançando no ar. pessoas orgulhosas de si mesmas erguendo suas bandeiras ao céu. juntos choraremos lágrimas de revolta e de insubmissão.

juntos então compreenderemos que ninguém muda o mundo, ninguém muda ninguém, ninguém sequer muda a si mesmo. mas as pessoas se transformam entre si através das experiências de vida que são capazes de gerar e compartilhar intensamente. e isto transforma o mundo.

por isto devemos amar. amar as pessoas, amar a nós mesmos, amar o mundo, amar a vida. (link)

por que lutamos? lutamos porque é assim que experimentamos a felicidade.
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03 agosto 2016

tá na cara!

03/08/2016


nunca a cara do Brasil esteve tão visível. tudo e todos estão obscenamente expostos. completamente às claras, nenhuma máscara é capaz de ocultar a horrenda face enfim revelada.

prestes a sediar os jogos da exclusão, um mega evento inicialmente concebido como a celebração gloriosa da conciliação lulista, explodem os rumores sobre terrorismo, “bomba-suja” e lobos-solitários.

mas o grande atentado já aconteceu. cadáveres por todos os lados. pilhas de cadáveres apodrecidos. para onde quer que se olhe. putrefação. desintegração.

uma seletiva e autoritária Lava Jato tendo como resultado anunciado conduzir à Presidência do Brasil um político impopular, inelegível e incapaz de resistir a qualquer investigação isenta, repete o  mesmo catastrófico resultado da “Mãos Limpas” italiana, em cujo rastro Berlusconi chegou ao poder.

embriagados pelo sucesso, os Cruzados de Curitiba outorgam a si próprios o benefício do bônus de performance.

uma lumpen burguesia escravagista e colonial, viciada em saquear o país e sua população, decidiu que chegou o momento de eleger um outro povo através de uma Democracia sem voto. de acordo com uma nova constituição reconciliada com o orçamento, todo poder emana do Judiciário e de sua interpretação arbitrária das leis.

um STF que deveria ser o guardião da Constituição Federal, a última trincheira da Democracia, o dever dos 8 Ministros indicados pelo Lulismo, age como a instância máxima de legitimação de um Judiciário venal, seletivo, corporativo e classista.

uma Esquerda cujo mais exato rosto é uma Presidente interinamente deposta, perambulando solitária em seu labirinto, acompanhada apenas de palavras mudas e ações inertes, mesmo tendo arrecadado mais de R$ 725 mil num financiamento coletivo para percorrer o país e liderar a resistência ao golpeachment.

no processo de sua delação premiada, a Odebrecht parece ter decidido entregar tudo: negocia com israelenses venda de empresa do setor de defesa.

já temos também a nossa Guantânamo. presos políticos sob acusação de “terrorismo amadorístico” são mantidos incomunicáveis. Lei Anti-Terror sancionada pela ex-“terrorista” Dilma Roussef aplicada em lideranças do MST.

não faltam rostos e identidades aos múltiplos Brasis. mas já não podem mais ser pacificados sob a ilusória proteção de alguma máscara de conciliação. adeus às ilusões.

se foi preciso uma guerra civil para que os EUA não se limitasse a uma imensa fazenda de algodão gerida por escravocratas e se tornasse a maior potência mundial, no Brasil este processo sempre transcorreu historicamente invertido.

é a plutocracia quem seguidas vezes deflagra a guerra civil contra o Povo e a Nação, para o país jamais se erguer de sua subserviente condição periférica, como fornecedor de commodities ao mercado global.

o Brasil não teve um evento histórico no qual fosse fundado pelo povo, que nunca se autoconstituiu como uma comunidade política de destino. (link) uma fundação emanada do movimento social, mas, simultaneamente, construindo como Nação a própria sociedade da qual esta fundação emana. (link)

a cara dos Brasis e a cara de todos nós estão desmascaradas. ao olhar em volta e se encarar no espelho, muitos preferirão inutilmente arrancar os próprios olhos e se atirarem no pântano viscoso das máscaras e das identidades em decomposição.

aquele Brasil de palmeiras e sabiás, da miscigenação inzoneira, já não há – e para ele jamais iremos voltar. neste tempo de exílio, a questão de todas as questões: tupi or not tupi?

sob o peso do asfixiante sol negro da nova ditadura que desponta, enquanto os necrófilos saboreiam seu banquete, somente os antropofágicos atravessarão o vale dos mortos.

“O caminho do homem justo é cercado por todos os lados pela iniquidade dos egoístas e pela tirania dos homens maus. Abençoado seja aquele que, em nome da boa vontade e da solidariedade, conduz os fracos através do vale das trevas, pois ele encontrará as ovelhas desgarradas e se tornará verdadeiramente o guardião de seus irmãos. Agirei com grande vingança e raiva contra aqueles que tentarem envenenar e destruir meus irmãos. E eles saberão que eu sou o Senhor quando minha fúria se abater sobre eles”
Ezequiel 25:17, Pulp Ficction

p.s.:

os Cruzados de Curitiba se julgam homens justos combatendo o egoísmo da corrupção, encarnada numa perversa organização criminosa: o Lulismo e o PT. assim, a Lava Jato seria o pastor que protege os irmãos no vale das trevas.

mas talvez o Lulismo e o PT sejam os justos, Lula seja o pastor protegendo os fracos e a Lava Jato que é egoísta e má. seria bom se assim fosse. mas isto também não é verdade.

a verdade é: o Lulismo e o PT são os fracos, a Lava Jato é a tirania nos iníquos, não há nenhum pastor guiando os irmãos através do vale das trevas. e a fúria, a raiva e a vingança se abaterão sobre todos nós.


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