05 fevereiro 2018

os Brasis: depois de 24-JAN-2018 (II)

05/02/2018



"Vou resumir: Lula é refém que imagina que pode negociar o próprio sequestro, enquanto diz que está no cárcere por vontade própria..."

embora seja um marco importante, 24-JAN-2018 não se constitui em nenhuma inflexão no percurso do interregno pelo qual o Brasil perambula, sem ainda encontrar direção certa a seguir.

desde o impeachment estamos numa Ditadura, aprofundando-se através do arbítrio conjugado e retro-alimentado de praticamente todas as instituições. as meras formalidades mitigadoras cumprem uma função mínima de manter as aparências, para legitimar "instituições em funcionamento" e "ritos cumpridos".

trata-se agora de pura e total hipocrisia, sem o vício ter qualquer pudor de não mais prestar nenhuma consideração à virtude.

o Judiciário é o mais anti-Democrático dos poderes, completamente desvinculado da soberania popular e sem qualquer controle social. Juízes, Desembargadores e Ministros comportam-se de modo generalizado, com as honrosas exceções, como os donos da Justiça e, portanto, acima da lei. enquanto são, na verdade, servidores públicos.

um Judiciário venal, classista, corporativo e partidarizado fornece a blindagem jurídica da Democracia sem voto. por sua interpretação seletiva e arbitrária das leis se cumpre a nova Constituição, pela qual está garantida a intocabilidade dos juros pagos aos rentistas.

dada a completa financeirização da economia brasileira, todas as grandes empresas atuando no país obtém grande parte, senão a maior, de seus lucros por meio de operações no mercado financeiro.

o setor dominante no Brasil tornou-se uma nova aristocracia, sem qualquer base social e com nenhum outro compromisso a não ser com seus próprios interesses e com a continuidade de suas capitanias hereditárias.

com o selvagem assalto à renda e ao patrimônio público, acompanhado de avassaladora cassação de direitos, o setor dominante não consegue viabilizar nenhum candidato próprio. todos os seus balões de ensaio inflados artificialmente estouram muito antes de estabilizarem vôo.

os velhos feiticeiros já não podem se valer de seus antigos feitiços. FHC pretender reconstruir o "centro-democrático" em torno de Alckmin é algo tão improvável quanto Haddad ter êxito como o novo "poste" de Lula.

Rodrigo Maia, Dória, Huck, Henrique Meirelles são as muitas máscaras para disfarçar a ausência de um rosto. seu nome é iniquidade. seu projeto de país são cinco brasileiros com renda superior à metade da população.

Bolsonaro vem a ser nada mais do que uma grotesca caricatura da atual ruptura com os resquícios de Democracia. e Marina Silva apenas expressa fisicamente a débil vitalidade do setor dominante para liderar o Brasil.

seja qual for o desenlace da disputa em torno das pré-candidaturas, o cerne da questão continua intocado: o avanço de uma selvagem política econômica neoliberal é incompatível com qualquer estabilidade social. e portanto, democrática.

pois estão sendo destruídas as mínimas condições de qualquer recuperação do crescimento da economia e da recomposição da renda do trabalho. o caos e a barbárie prevalecerão.

o setor dominante se nega compreender estas inevitáveis consequências. em parte por acreditar piamente nos dogmas neoliberais, e por outro lado devido a sua completa leviandade e total descompromisso quanto ao destino do país.

para consumar sua política sem povo, a lumpenburguesia neo-colonial e semi-escravagista pretende eleger um outro eleitorado. não lhe restará opção, mesmo fazendo o próximo Presidente, a não ser fechar completamente o regime.

o Brasil marcha para uma inexorável explosão.

esta explosão se processa através de duas linhas de força: a do setor dominante e a da resistência popular.

este não é um processo linear, ocorre por ondas. daí a percepção equivocada de em alguns momentos refluir, o que só ocorre para um recrudescimento ainda mais violento.

estas ondas estão destruindo por completo a já frágil institucionalidade brasileira, desembocando num completo estado de exceção. a exemplo da travessia entre 1964 e 1968, guardadas as devidas peculiaridades.

o setor dominante brasileiro é completamente despreparado para gerir o caos e a barbárie por ele mesmo criados. ao contrário do Golpe de 1964, nem mesmo os militares terão possibilidade de fazê-lo.

entre 1964 e 1980, o alto e constante crescimento do PIB foi a grande política compensatória do déficit democrático. algo fora de questão atualmente, dado o contexto mundial de crise estrutural do Capitalismo

o Lulismo e o PT continuam completamente aturdidos, em estado de negação da realidade. não tem qualquer condição de coordenarem a linha de força da resistência popular.

Lula deveria ter urgentemente um plano de contingência para asilo político. óbvio que o asilo político traria repercussões diplomáticas, pelo reconhecimento implícito da perda de garantias individuais, caracterizando a situação ditatorial no Brasil.

gerou-se no Brasil uma situação inédita em nossa História: um impasse frente ao qual a única forma de superação será justamente através das "medidas populares". ou seja: o grande capital pagar o pato de uma crise por ele desencadeada.

para um golpe cujo objetivo foi aplicar "medidas impopulares" impossíveis de serem aprovadas nas urnas, não deixa de ser uma das cruéis ironias da História.

a complicada conjuntura com seus desdobramentos de contínuo agravamento exige um imediato reposicionamento da Esquerda.

voltamos 40 anos no tempo. estamos novamente em 1978, nas primeiras greves do ABCD. com todo aquele amplo, fértil e muito perigoso debate sobre como lutar para por abaixo a Ditadura.

"Fora, Temer!"
"Abaixo a Ditadura!"

"No mercado chegamos ao ponto que dinheiro virou fim em si, na segurança pública, o uso da força estatal assumiu contornos de disputa pelo uso da violência em si, na mídia, a mensagem virou fim em si, no judiciário, o processo também saiu de meio para fim em si, e no caso da política, Lula elevou a conciliação a fim em si...
É, então, o fim..."
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